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UM NEGÓCIO BEM LUCRATIVO
Geraldo Antonio Lelis de Freitas
UM
O Simca Chambord estacionou na Pracinha do Araçatuba Clube, aquela do Colégio das Irmãs, vizinha da Praça 19 de fevereiro. Carro novo, cores tradicionais de vermelho e amarelo, linha impecável, conforto até exagerado. No radio tocava Neil Sedaka, "You mean everything to me", sucesso romântico.
O local estava deserto. Deserto era modo de se dizer: alguns carros passavam pelas ruas Duque de Caxias e Carlos Gomes. Um "biribeiro" gritou um impropério contra um homem alcoolizado que teimava atravessar a Carlos Gomes, bem na esquina.
Ele sentou-se no banco voltado para o Clube. Era bem majestoso o prédio. Gostava de suas linhas bem delineadas, aliás, o prédio lhe era mais nostálgico do que belo. Era intrinsecamente ligado à sua vida.
Quanto havia se passado. Quantas peripécias lhe aconteceram. Era um morto, para muitos. Mas ali estava para resolver uma situação das mais difíceis e que poderia causar a destruição de pessoas que lhe eram muito queridas. Precisaria de muita cautela, perspicácia, arrojo e até um certo grau de crueldade.
Percebeu a aproximação do primeiro alvo. O primeiro rosto muito conhecido e identificado através de fotos atualizadas se aproximava. Levantou-se displicentemente e encostou-se no carro, de costas para a rua. Disfarçou olhando para um lado, para o outro, abaixando a cabeça, mas com os olhos grudados naquele que se aproximava.
Sabia seu nome, sua idade, profissão, conhecia-lhe os pais, suas preferências musicais, cinematográficas, esportivas. Ele caminhava com as características que lhes eram peculiares: mãos nos bolsos, cabelo loiro bem penteado, olhares furtivos para os lados balançando a cabeça, passos rápidos, largos e firmes. Chegou e sem a menor cerimônia, trepou no banco e sentou em seu espaldar. Desamarrou os cadarços de seus sapatos engraxados. Assobiava "Blue Velvet", música interpretada por Bobby Vinton.
De repente estacou. Percebeu e fixou o olhar naquele "cara" encostado naquele carro. "Uai, quem seria o gajo?" - era o que remoia seus pensamento. O "gajo" olhava para todos os lados, movimentos vagarosos com a cabeça, parecendo não sentir a sua presença; aquilo o intrigara, pois lhe passava uma estranha sensação de que conhecia "aquilo"! Uma sensação de desconforto o incomodava cada vez mais intensamente. Não era medo! Era desconforto mesmo e tudo pelo fato de acreditar já ter visto aquele "cara" em algum lugar. Isto é que o incomodava.
E com todo o seu ímpeto moleque, soltou:
Oi! Eu conheço ou deveria conhecer você?
Quem? Eu? – perguntou o rapaz voltando o dedo indicador para o próprio peito.
(My God! O cara é alienado!) É, você mesmo! Tenho um longínqua impressão de que já nos vimos antes.
"Ce" sabe que não! Pelo menos eu não me lembro de ter conversado deste jeito com você.
Ah! Então me desculpe. Foi apenas uma curiosidade nascida de uma impressão boba.
Você está aqui para esperar por alguém? – perguntou o desconhecido
Bom, esperando... Esperando, realmente não! Geralmente a turma da minha Faculdade vem para este local discutir os problemas de sala de aula, fazermos fofocas, colocarmos as conversas em dia.
Não quero ser intrometido, mas em que Faculdade você estuda?
Universidade Salesiana de Araçatuba.
Qual o Curso?
Estou pelejando para ser médico, mas ta bem difícil.
E em que período você está?
Sétimo.
Bom, eihn cara! Termina este ano.
É, mas tem uma Especialização inteira pela frente.
Você pretende fazer o quê?
Meus pais querem...
Eu perguntei você!
Espere! Meus pais querem e insistem para que eu faça Cardiologia ou Obstetrícia. Eu mesmo, bem lá no fundo de meu coração, queria ser militar. E se possível, pertencer aos quadros da Força Aérea Brasileira. Ainda mais agora que ela assumiu o Ministério da Forças Armadas, que as demais corporações passaram para sua subordinação.
E o que tem seus pais com isto. A vocação é sua, o trabalho será seu...
Mas a grana para a Faculdade e a Especialização é deles. Hoje não dá para você trabalhar e fazer curso superior ao mesmo tempo.
Neste momento, o homem do Simca percebeu que se aproximavam duas pessoas, um casal. Ele também os conhecia. E como! Uma menina loira, com seus 22, 23 anos, corpo perfeito, rosto lindíssimo, aparência meiga e cordial, simples no trajar e imponente no andar. Ele a conhecia há muito tempo. Chamava-se Mércia Maria Tagliaferro. O rapaz era seu irmão, um jovem talvez um ou dois anos mis velho que ela, chamava-se Márcio, aparentemente muito bacana e simples, mesmo sendo filho do proprietário de uma das maiores revendedoras de carros da Wolkswagen, na região, a Tagliaferro Veículos.
Aproximaram-se e sorridentes cumprimentaram o rapaz do banco e sutilmente lançaram sorrisos para o desconhecido. Jonas respondeu aos cumprimentos e só aí é que se lembrou de que não perguntara o nome do rapaz e muito menos sabia alguma coisa a seu respeito.
Bom, meu amigo, e você? O que está fazendo neste lugar? Você, pelos menos me parece, é novo por aqui?
Bom, até que se pode dizer que sou novo "por aqui!".
DOIS
E foram chegando mais estudantes. Nesta altura, o estranho já os observava de dentro de seu veículo, tentando passar despercebido, mas sempre com um sorriso indecifrável na face. Assistiu ao espalhafatoso salto acrobático de Décio, bancário autorizado a fazer plantões vespertino e noturno no Banco em que trabalhava para que pudesse estudar pela manhã.
Teresa Cristina, mineirinha morena, pernas grossas e lindas, bem torneadas, pés delicados e pequenos, corpo miúdo, mas muito bem feito e um rostinho lindo. Essa ele conhecia e muito bem, pois haviam tido uma relação de amizade muito intensa quando vizinhos de residência. Além disso, o pai dela havia sido seu chefe no Banco da Lavoura de Minas Gerais S/A, em que trabalhara anos atrás.
"Meu Deus, há quanto tempo!" – e uma pequena lágrima escorreu-lhe pelo canto do olho direito. Estavam ali presentes na figura daquela garota: sua mãe, seus antigos e inesquecíveis companheiros de trabalho e de seresta, sua adolescência precoce, a tragédia, a separação e o isolamento forçado. E agora a omissão de sua identidade a bem dos próprios jovens.
Valter, o "Alemão", isto pelo seu porte germânico, fala alta e autoritária, pessoa boníssima e fraterna. Quando era amigo, realmente era amigo.
E aproximaram-se: João Gordo, Moacir, Iara, Nilton Ortoloni, todos... Todos conhecidos. De repente surge uma menina mais franzina, pele mais escura, pernas finas, olhos grandes e fundos, palidez que demonstrava um certo aspecto anêmico.
- Oi Margarida! – cumprimentaram todos.
"E vem me dizer que não temos nenhum complexo racial! Se houvesse um ou uma hipotética suspeita, logicamente que esta seria uma virtual candidata".– pensou o observador – "Coitada, nada a ver! Parece gente muito boa e querida pelos demais. Mas, Pai do Céu, quem iria se infiltrar neste grupo com o único propósito de prejudica-los? Será que não se sentiria arrependido ao conhece-los e saber o quão são pessoas boas, educadas, generosas e de um senso de fraternidade ímpar?".
Neste momento, seu rosto se crispou por inteiro, sua expressão tornou-se forte e irada. Avistara o Chrysler, ano 60, vermelho escuro estacionado na Carlos Gomes, perto da Mercearia ao lado da casa do Sr. Dibo. Viu os três ocupantes descer, adentrarem na casa comercial e logo depois voltar para o veículo e partir descendo vagarosamente até virarem na rua Duque de Caxias.
Imediatamente acionou o carro, chamando a atenção de todos, que o acompanharam com os olhares atentos. Fez o contorno da praça, entrou na Duque de Caxias e desceu-a numa velocidade meio alta para aquela via pública.
Mas ele os havia perdido. Deviam ter entrado na General Ozório, ou na Marechal Deodoro. Ele havia optado por esta última, mas não os encontrara.
Enquanto isso tornara-se assunto na pracinha.
Jonas, quem era aquele moço? – perguntou Mércia
Uai, sô, num conheço o gajo!
E o que ele queria? – acrescentou de imediato Márcio
"Sabê" lá eu! Ele não falou coisa com coisa. Bem que eu perguntei se ele era daqui. Respondeu de um jeito esquisito, como se não quisesse muita prosa.
Jonas, e você deixa isto barato assim? E se fosse um ladrão? – criticou Teresa Cristina.
Espera aí! E você queria o que? Que eu torturasse o meliante pra me dizer quem ele era? E tem mais uma coisa: eu conheço esse indivíduo de algum lugar. Não sei se é das páginas policiais, da seção dos beneméritos, de alguma propaganda política, não sei. O que sei é que o conheço, isto eu tenho certeza.
Gozado gente! Eu tive esta mesma impressão. – falou Walter - Mas eu pensei que esta anta tivesse conversado direito com o cara.
Oh, Nazista! Eu já te disse que eu tentei.
Deixa isso pra lá gente. Vamos é ficar de olho, porque esse moço, no mínimo, é suspeito. Não estou dizendo que ele é bandido, mas... Quem é que sabe? – ponderou Teresa Cristina.
Gente! E como está o negócio da votação para a Comissão de Formatura? Há alguma manifestação neste sentido? – perguntou Décio – Mércia, você esta sabendo de alguma coisa?
Não, Décio! O D. A. ainda não tomou nenhuma providência. E pelo que me concerne, vai deixar tudo por nossa conta.
Mas – interferiu Márcio – vão unir todos os cursos, ou serão formaturas isoladas? Isto, para mim, é coisa de Diretoria, D. A. os cambaus.
Márcio, eu não estou vendo nenhuma agilização neste sentido. Ontem ainda fui ao Departamento de Sociologia perguntar se estava sendo programada alguma reunião para deliberarem sobre o assunto e me informaram que não foram convocados para qualquer reunião nestes próximos dias. Portanto...
E "cuma é" que vamos arrecadar verba, dindim, bufufa, grana, para as festividades se nem sabemos se serão unificadas ou separadas? – questionou Milton.
Precisamos agilizar esta decisão. Quem me acompanha amanhã, no horário das aulas, até a Reitoria da Universidade?
Conte comigo, Márcio! – apresentou-se Iara.
Comigo também! – juntou-se Mércia ao grupo
E eu também! – era Décio se oferecendo.
Ta bom! Então na segunda aula nos encontraremos no saguão de entrada, ok?
Logo depois o grupo se dispersou, sem perceber o Chrysler estacionado na Rua Afonso Pena.
TRÊS
Dentro do Chrysler o assunto em pauta referia-se justamente ao grupo. E era bem acalorado.
Chefe, a presa principal é a loira. O senhor já pensou o que renderia no Mercado Europeu?
Eu acho que ela seria mais lucrativa no Japão, na China. A morena baixinha é que daria um bom filão na Europa.
Vocês dois entendem tudo, não é? Entendem tanto que ainda não me informaram como é o comportamento deste pessoal no dia-a-dia. Serão presas fáceis, ou precisam de uma ação mais drástica?
Bem, Chefe, nossa gente lá de dentro diz que não será muito fácil, mas com um pouco de tempo é bem possível que pela persuasão ou favorecimento do produto, pode ser que não se precise de ação mais violenta.
E a fita? Já foi providenciado o seu envio para os "japas"?
Sim senhor! Nosso pessoal no Rio já a despachou. Logo, logo teremos respostas dos clientes, o senhor vai ver.
Avise aos meninos de que não dispomos de muito tempo. Os clientes andam ansiosos por novas remessas. Vamos resolver "aquele" outro problema.
E o carro arrancou vagarosamente contornando a praça e passando bem em frente dos irmãos Tagliaferro, que de nada desconfiando, ainda comentaram:
Que baita carrão, eihn Mércia?
Muito bonito mesmo.
O carro estacionou em frente a uma casa de madeira, assobradada, rodeada por um pequeníssimo pátio gramado, que a separava de um bosque. Era bem isolada, e de difícil acesso o que era feito por uma trilha que serpenteava pelo bosque. Só mesmo o motorista que a bem conhecesse não se enroscava em uma de suas curvas.
O grupo foi recebido por dois homens que usavam máscaras pretas de lã e portavam submetralhadoras Uzi. Os cumprimentos foram triviais, tapinhas nos ombros e alguns "Ois!", ditos de forma displicente. Logo adentraram estando o Chefe à frente da fila.
Na sala de estar uma mobília antiga, empoeirada, sugerindo abandono ou pouco uso. Subiram as escadas e no andar superior entraram em um dos quatro quartos que o compunham.
Na parede coberta por uma espessa cortina, uma mulher bem nova, aparentemente bonita, corpo bem feito, punhos amarrados por uma corda presa a uma argola no teto forrado, amordaçada por tiras largas de esparadrapo branco que retinham em sua boca um trapo velho, olhos expressando o terror daqueles que sabem o que lhes espera. A blusa com os botões de cima arrancados mostravam o branco sutiã sustentando fartos, mas esbeltos seios.
Então esta cadela foi achada? Tudo bem, Caroline?
Estava escondida na casa de uma sua tia em São Paulo. Nós a descobrimos graças ao nosso pessoal de lá. Eles conheciam os familiares dela e fizeram campana em várias casas.
O homem, chamado de Chefe, aproximou-se da mulher, pegou-lhe os seios com suas grandes mãos, enlaçou-os por completo, delicadamente, a mulher se debateu e ele então os apertou com violência causando dor tão lancinante que a mulher emitiu gritos pavorosos abafados pela mordaça ao mesmo tempo em que se retorcia toda.
Risos irônicos se ouviu por todo quarto. Olhares de perversidade foram trocados. Todos se deleiavam com o sofrimento da mulher. Ansiosos, só esperavam o momento em o Chefe os autorizaria para dela se aproveitarem.
Você vai nos pagar bem caro o topete de querer nos passar a perna. Não podia ter delatado o Robertão para a polícia, sua vaca – neste momento deu-lhe um terrível tapa de mão cheia atingindo-lhe a face esquerda quase deslocando o seu pescoço – Graças a você, sua vaca, - novo tapa – ele foi assassinado na cadeia por um elemento da turma do Vadão. Agora vamos ter de matar você também, sua prostitutazinha de quinta categoria. Tragam as cadelas que estão na sala ao lado para assistirem o que acontece com quem nos prejudica.
A mulher sacudiu a cabeça desesperada num gesto de negatividade, pedindo clemência com os olhos esbugalhados.
Entraram quatro jovens, duas morenas, uma ruiva e uma loira, todas com olhares apavorados, agarrando-se umas às outras, soltando gritinhos de pavor ao avistar a mulher amarrada.
Rapazes, vocês levem esta zinha para aquela mesa. Amarrem um tornozelo em cada pé da mesa e as mãos nas costas, punho direito no cotovelo esquerdo e vice-versa. Vamos propiciar divertimento para toda a turma.
Apesar das tentativas infrutíferas de se libertar das mãos de seus algozes, assim ela foi posta na mesa. Uma corda fina foi enlaçada em seu pescoço e presa embaixo da mesa.
O Chefe chegou, rasgou-lhe o que ainda restava da saia, puxou a calcinha até esta se rebentar, olhou o rosto desesperado da mulher, abriu a braguilha e a penetrou com violência, arrancando-lhe horrendo urro. O ato sexual foi selvagem, brutal, tendo o homem retirado várias vezes seu órgão genital do da moça para retornar com mais força.
Após o orgasmo, sem nenhum descanso, outro a penetrou, ouvindo-se agora o grito abafado de dor, logo após, mais um, e, assim, sucessivamente mais quatro penetrações.
Quando o último terminou havia uma poça de esperma esparramado pela mesa e gotículas de sangue que saiam da vagina dilacerada. A moça mantinha os olhos abertos, mas vendo o nada. Respirava ofegante.
Gostaram do espetáculo? – perguntou o Chefe às moças que a tudo assistiram – Pensam em desobedecer ou abandonar nossa organização?
Não, Senhor! Nunca havíamos pensado nisso.
Então são fiéis e obedientes à organização?
Sim, Senhor!
Vamos ver! Você, Tianinha!
Sim, Patrão!
Limpe esta sujeira toda que está perto da vagina da cadela!
Sim, Senhor!
Ia saindo para buscar um pano, quando foi interrompida bruscamente pelo Chefe que a agarrou pelo braço.
Com pano não! Com a língua!
Senhor! – suplicou com olhos marejados pelas lágrimas
Sim ou não! É obediente ou não!
QUATRO
A limpeza foi feita de maneira bem lenta, muitas vezes interrompida por ânsias de vômitos, engasgos com as porcarias engolidas, choros convulsivos e, muita, muita humilhação.
Muito bem, fiel servidora! Gostei de seu serviço. Deixou a mesa brilhando!
Gargalhadas estridentes e até aplausos foram ouvidos no recinto. As outras moças ficaram ainda mais horrorizadas. O que lhes aguardava? Tentavam consolar a mulher da limpeza, mas se preocupavam consigo mesmas.
Descansaram, rapazes? Virem esta vadia. Deixem-na com as poupanças bem a vista. Os tornozelos continuam amarrados cada um em um pé da mesa. Amarrem também os joelhos da vagabunda.
E assim o fizeram. A mulher urrou de dores, pois os movimentos faziam-na roçar a vagina dilacerada, ora nas cochas, ora na própria mesa, provocando novos sangramentos. Seus punhos continuavam amarrados da mesma forma. Ela tentava mexer-se, mas não o conseguia. Era terrível! Ela sabia perfeitamente quais as intenções dos sádicos. Ela antevia a dor, a agonia de ser penetrada, a humilhação total. E o pior: a impossibilidade de qualquer reação ou de ser salva por alguém.
Venha cá, Belinha! – chamou o Chefe dirigindo-se a uma das meninas – Nós precisamos fazer algo com aquela ali. Mas, você pode amenizar o sofrimento dela. Você a ajudaria?
Senhor... – balbuciou a aterrorizada garota
Queridinha, nada vai te machucar. Pelo contrário, você estará diminuindo o sofrimento daquela ali. Vamos, sem nenhum temor.
Senhor... O que devo fazer? – perguntou por perguntar. Ela sabia o que era. E já sentia o horror, o nojo sabendo que nada contribuiria para diminuir o sofrimento da colega de trabalho, só aumentando a humilhação de todas elas.
Venha cá, querida! – pegou-a pelo braço – Tire a roupa para melhorar os seus movimentos – e a fez despir-se rapidamente ficando completamente nua – Agache-se, meu bem! – Ela o fez ficando com o rosto na altura das nádegas da supliciada – Está vendo este buraquinho preto aqui? – e apontava para o ânus da amarrada Lubrifique-o com sua língua aveludada. Ela sentirá menos dor, meu amor.
Por favor, senhor! Piedade!
Prefere trocar de lugar com ela, meu bem? – o sorriso irônico e o tapinha na nuca não condiziam com a terrível ameaça.
Ela então fechou os olhos, aproximou-se do orifício e lambeu-o timidamente, enojada, soluçando.
Meu bem, assim não vale! Ou faz o serviço direito ou assume o lugar. Vamos, entusiasmo, força! – falava e empurrava a cabeça da moça fazendo o seu nariz quase adentrar pelo ânus da seviciada.
Veja só que não tem nada de mais o que você está fazendo – aproximou o dedo da entrada do orifício anal e, vagarosamente, o introduziu, provocando gritos da seviciada.
Pare de resmungar aí na frente, sua peste! Estamos te ajudando, palhaça.
O algoz retorcia o dedo dentro da mulher. Ao retira-lo, obrigou Belinha a coloca-lo na boca e chupa-lo, enojada com o cheiro e gosto de fezes.
Viu? Isto seria ruim, mas só lamber, lubrificar, nada de mais.
Belinha, empurrada e tendo a cabeça pressionada contra as nádegas de Carolina, começou a lamber o órgão da moça com fúria. O terror lhe dava forças para suportar o suplício. A vítima tentava mexer-se, mas apenas conseguia balançar sua cabeça. Sentia o cuspe de Belinha em seu traseiro. De repente, saiu aquele frescor da saliva e cutucou-a algo enorme, pontudo. Sentiu forçar-lhe a entrada e o ânus a dilatar-se, doloridamente. Gritou um sussurro. Aquele grosso pedaço de carne continuou a dilaceração de seu buraco anal e a penetra-la, cada vez mais dolorido. Gritava! E a penetração continuava. Sentia o sangue escorrer-lhe pelas partes internas das cochas. E não parava de penetrar-lhe. Já o sentia quase lhe vazando os intestinos cutucando seu estômago. Urrava! Tentava espernear! Tentava Rebolar! Inútil. Começou o vai e vem. Lento... Compassado... Descompassado... Aumentando a pressão... A velocidade... Saia e entrava causando-lhe cortes nas beiradas do ânus... Líquido... Intestino cheio... Retirada da massa de carne... Líquido escorrendo... Alívio... Pouquíssimo tempo...
Belinha voltou ao seu serviço, agora bem mais difícil, pois teria que limpar as fezes e líquido branco que de dentro do ânus saíra. Começou a lamber... Não agüentou... Levantou-se... Iniciou uma desesperada corrida... Um estampido... A dor na cocha... A queda... Braços agarrando-a... "Vadia", ouviu... Uma pancada na cabeça... Nada mais... A escuridão.
Muito bem rapazes! Sem lubrificação! Usem e abusem!
E assim, seis machos usaram e abusaram da mulher. Cada um a penetrou com mais violência do que o outro. D quarto em diante ela nada mais sentia, pois desfalecera de tanta dor.
Quando recobrou a consciência dentro de um inferno de dor em sua parte genital e em seu ânus, se viu amarrada a uma tábua de aproximadamente 25 cm de largura e dois metros de comprimento. Os braços estavam levantados e cordas a prendiam pelos pulsos, antebraços, braços, tórax, cochas, pernas e tornozelos. Ela não podia mexer um só músculo. As cordas de tão apertadas a estava ferindo. Continuava amordaçada. Olhou de lado, único movimento permitido e viu Belinha na mesma situação.
Que isto sirva para todos. Somos muito generosos para com quem trabalha conosco, mas sabemos ser severos para com os traidores e desobedientes. Vocês, meninas, ao serem enviadas para um ato de scatofilia com um cliente, vão e o façam com prazer; vocês, rapazes, quando mandarmos transar com um cliente homossexual ativo, sejam amáveis e carinhosos como passivos. Senão, o castigo é este.
Aproximou-se da vítima e sem nenhuma demonstração de piedade ou arrependimento, pegou-lhe o bico do seio direito e cortou-o com um tesoura. Chegou até Belinha, olhos arregalados, urrando por trás da mordaça, cortou-lhe o bico do seio esquerdo.
Foi até o pé da traidora, pegou um alicate, e apertando a ponta da unha do dedão esquerdo puxou-a até arranca-la por inteiro. Belinha sofreu o mesmo suplício, desta vez do dedão do pé direito.
Os asseclas do Chefe estavam aturdidos com tanta perversidade. As outras moças simplesmente desesperadas. Quando induzidas para trabalhar na organização não imaginavam estas atrocidades a que estaria sujeitas.
Tiveram, cada uma a sua vez, uma das mãos perfurada por prego, as cochas marcadas com ferro em brasa e por fim, arrancado por completo, um seio de cada uma, aquele que estava com o biquinho.
Praticamente sem vida, mas ainda respirando, foram atiradas em um forno de olaria, com 130º aproximadamente. Todos permaneceram no local, até a constatação de que os corpos e tábuas haviam virado cinzas.
Meninas, de volta ao trabalho! E agora com muito mais cuidado e pensando duas ou mais vezes antes de tentarem qualquer besteira. Levem-nas para as boates! Vamos, todo mundo sorrindo!
Rapazes, nós vamos resolver aquele caso na cidade.
CINCO
Eram 8h45min quando Márcio chegou no local combinado. Acompanhado pelo Décio, ficaram aguardando pelos demais.
Cara, nós vamos ter de falar com o Departamento dobre o tal professor de Eletromagnética, ou todo mundo vai se estourar.
Décio! Será que o problema está apenas nele? Ta que o cabrinha é difícil. Soberbo, megalomaníaco, às vezes imprudente, nas tem mais gente com culpa no cartório. Não tem?
É... Alguns não gostam muito de pegar no rabo do problema. Estudar que é bom mesmo não estudam. Mas, compare com o "Frangão"...
Professor Osmar, idiota!
Ta bom, Professor Osmar! Você não precisa pegar num livro sequer. Você sai da aula sabendo tudo e sem perigo de esquecer depois de algum tempo. Tem coisa que ele nos ensinou no começo do ano passado e eu ainda sei tudinho.
Isso se chama "Didática de Ensino", Décio! – nem precisava olhar para saber de que era aquela voz feminina.
Até que enfim D. Mércia!
Tivemos um debate muito bom na nossa aula. Era sobre Administração de Empresas Multinacionais. Uma beleza.
E pode se saber o que futuras cientistas têm a ver com Multinacional?
Palhaço! E você acha que vamos trabalhar onde? Alguém neste País paga pesquisa para alguém, Jeca?
Ta certo, Iara! Não está mais aqui quem falou.
Décio, o bom nesta Universidade e o que faz o diferencial das demais é a visão pedagógica do Padre Mário Pellatiello. Ele ensina a profissão e molda a personalidade crítica do profissional. Tenho absoluta certeza de que nenhum curso de Engenharia Eletrônica preocupa-se com estes detalhes que parecem mínimos, mas que são de vital importância para o educando.
Nisto você tem plena razão. Para nós do Curso de Física Espacial aparece este tipo de aula.
Palestra, animal! – falou Iara
Anta! Palestra é para se dormir. São aulas mesmo. Panaca! Apesar de serem no auditório, são aulas mesmo. E que aulas! Um dia destes assistimos a uma ministrada pelo Prof. Adelino Moreira Brandão, sobre Língua Portuguesa, Redação mais propriamente dita, e, apesar de uns alienados, todos nos conscientizamos de que nosso problema redacional está justamente na leitura.
Claro, físico é analfa! Brincadeirinha, gente! – brincou Iara e se desculpou diante dos olhares ferozes de Márcio e Décio.
Vocês querem naturalmente falar com Padre Mário, não? – perguntou D. Geraldina, assessora do Reitor.
Sim senhora! Tudo bem, né?
Claro! Podem entrar! Ele os aguarda!
Obrigado! – diz Márcio.
A sala era ampla. Um quadro de São João Bosco, padroeiro dos Salesianos, chamava a atenção. Padre Mário, um homem que se impunha pelo porte e pela sua personalidade. Alto, ombros largos, cabelos negros, testa grande, nariz adunco, olhos negros, fala mansa mas imperativa.
Bom dia, meninos! Prazer em recebe-los! – falou o padre dirigindo-se ao encontro do grupo com a enorme mão direita estendida para os cumprimentos.
Padre, muito obrigado por nos receber.
Em que lhes posso ser útil?
Padre, nós não queremos desavenças com ninguém. Sei que deveríamos discutir este assunto com o D. A., mas, infelizmente já os procuramos e nada foi solucionado até agora. Trata-se do projeto de nossa formatura. Precisamos agilizar algumas coisas, mas não sabemos se será uma formatura em conjunto ou várias independentes. O Diretório Acadêmico alega que é problema da Reitoria e que eles nada podem fazer senão uma decisão partindo daquí.
Bem, eu não sei o porquê do Tomáz e seus companheiros de Diretoria estarem tomando tal postura e se comportar deste jeito. Estão cansados de saber que uma formatura universitária, obrigatoriamente, tem de ser em conjunto. Se eles pretendem alguma mudança teriam que ter feito a proposta antes do início das aulas, no Planejamento Geraldo da Universidade, apesar de que tenho plena convicção de que seria rejeitada pelo Regimento. Para este tipo de mudança necessitar-se-ia da aprovação do MEC. Algumas Universidades já o tentaram e não o conseguiram. A USP foi uma delas.
Então podemos formar a comissão integrando-a com alunos de todos os cursos?
Sim, isto mesmo! As cerimônias de colação de grau e religiosas estarão aos cuidados desta Reitoria. Baile, almoço, trotes, ficam por conta dos senhores.
Padre! E os evangélicos? – perguntou Mércia
Sem problemas. Vamos depois discutir com vocês se preferem uma cerimônia ecumênica ou uma missa e um culto. Democracia é isso, D. Mércia.
Pessoal mãos a obra! Vamos começar a trabalhar feio. Padre Mário, muito obrigado por nos atender!
Márcio! Só não estou entendendo é o porque que o D. A. se omitiu em um caso tão banal como este.
Nem eu, Padre! E olhe que o Tomáz é colega da gente e até participa da nossa turma no Araçatuba Clube. Vamos conversar com ele para que nos explique esta alienação besta do Diretório.
Eu vou dar um cassete neste moleque do Tomáz – esbravejou Décio, logo que saíram do Gabinete da Reitoria.
Calma velho! Ele deve ter lá as suas razões!
Mas logo com a gente?
Eu também acho que tem dente de coelho nesta história, Márcio. – acrescentou Mércia.
Vamos para a aula. Mais tarde nos encontraremos na praça.
Em outro local do enorme estabelecimento de ensino, uma outra reunião tinha início.
Tomáz, os caras falaram com o Padre!
Pegou alguma coisa?
Na saída pareciam putos com você.
Desgraça, eu demorei muito para atacar.
E agora?
Não sei! Vou conversar com o homem. Vou pedir a ele alguma saída. O pior é que ele vai ficar "emputado" comigo.
Por que você não levou logo eles para conhecer o homem?
Eu pretendia armar uma confusão maior para que eles ficassem mais apavorados ainda. Depois ficaria fácil oferecer a ajuda do homem.
Complicou! Você vai falar com ele hoje?
Eu vou é agora.
SEIS
O Cessna sobrevoava a cidade fazendo seu procedimento de aproximação. Dentro seis pessoas: o piloto Coronel Adalberto, o Tenente Corte Real, Tenente Otelo, Tenente Renato Marzagão, Capitão Carlos Nascimento e o Capitão Rogério Cardoso. Revisavam as próximas ações.
É, este povo vai nos dar trabalho. – comentava Capitão Rogério – Este negócio de Inteligência não é comigo não!
Mas tem que ser assim, Rogério – retrucou Coronel Adalberto.
Meu negócio, Coronel, é atirar e depois perguntar: O que era mesmo que estava acontecendo?
Não pode ser assim, gente!
Coronel, o senhor a me "adescurpe", mas eu penso igualmente ao Capitão. Já não se sabe o que os homens são capazes de aprontar? Cadeia vai concertar este povo? Tenho convicção de que Deus nos entenderá. – Otelo sempre demonstrara preferência pelo ataques diretos.
E como você provará que eles fizeram tudo isto? Nada temos de concreto. Por exemplo: não temos nenhum corpo e sabemos que eles assassinaram algumas pessoas. Sabemos também que traficam drogas, comercializam meninas para prostituição na Europa, no Oriente e nos Estados Unidos. Temos alguma declaração assinada por alguém? Quem já confessou alguma coisa, vítima ou bandido?
O avião aterrissara mansamente na pista asfaltada do Aeroporto de Araçatuba. Taxiava, quando todos observaram uma pessoa de pé, próximo ao parque de taxiamento dos pequenos aviões, tudo indicando que os aguardava. Corte Real já empunhou a sua Mauser 45 e a preparou para qualquer emergência. O mesmo o fez Otelo com seu 38 cano curto.
Calma rapazes! Calminha! – pediu o Coronel Adalberto.
Todos desceram com olhares fixos no homem parado perto do avião. Neste momento, um outro se juntou ao primeiro. Os dois caminharam na direção dos recém-chegados.
Bom dia, senhores! Poderíamos falar-lhes?
Bom dia! Em que lhes podemos ser úteis! – falou educadamente Coronel Adalberto.
Sou o Prefeito Municipal desta cidade e me chamo Sillas José Venturini e este é meu Secretário de Administração Dr. Juventino Daia Gomes. Sabemos quem são e o porquê de sua estada em nossa cidade. O Ministro das Forças Armadas, Marechal José Trindade nos informou, apesar de nos alertar que certamente seriam suas últimas palavras, pois os senhores o matariam. – e deu uma risada quase silenciosa.
Eu não o estou entendendo. Acredito que o Ministro jamais falaria de nós para alguém. Desculpe-me, eu não o estou chamando de mentiroso, mas sim tentando descobrir o que o fez falar a nosso respeito.
Coronel, desespero, puro desespero! As coisas estão se tornando insuportáveis em nossa cidade e em toda a região, sem exagero algum. Não se pode confiar em ninguém mais. Há membros desta famigerada Máfia da Droga infiltrados em todo lugar: na Prefeitura, nas Escolas, na própria polícia. Nós não temos em quem acreditar.
E por que tem tanta certeza sobre nós?
Devido às palavras do Senhor Ministro, que inclusive nos mostrou suas identificações, falou com o Senhor por telefone lá na Fazenda Araçatuba e deu-nos o horário da chegada de vocês aqui em Araçatuba.
Bom, Senhor Prefeito, a sua sorte é que eu os conheço de longa data. Se o Senhor prestar uma atenção muito especial o Senhor verá que há duas armas discretamente apontadas para vocês. Nós também não estamos confiando em ninguém. Mas de um professor nunca se esquece.
Você foi meu aluno? Quando? Onde?
Depois conversaremos sobre isto, Professor, digo, Prefeito. Este seu secretariozinho também vai levar um baita susto, não vai? Primo!
Meu Deus! Adalberto! Você não...
Cala esta matraca, infeliz! Você nunca me viu, palhaço!
Não acredito! Não é possível!
Prefeito, o senhor teria alguma informação para nos passar? Alguma coisa que deveríamos saber?
Coronel, nós apenas desconfiamos de algumas pessoas. Seus nomes estão aqui nesta lista, bem como o local onde trabalham. Lembre-se! São apenas suspeitos. Temos muito medo de injustiças.
É...! A maioria é de nomes conhecidos nossos. Algumas surpresas, vocês podem crer!
Bem, a nossa finalidade maior é de colocar todo o dispositivo da Prefeitura a sua disposição, inclusive financeiro. Temos um parceiro muito honesto e de integral confiança. O Senhor José Dionísio. Um de seus filhos foi assassinado e se supõe por esta Máfia.
Qual filho dele? – perguntou ansioso Coronel Adalberto.
O mais novo, André Dionísio Sobrinho. Seu corpo foi encontrado baleado e carbonizado às margens do Córrego Baguaçu, perto do Frigorífico T. Maia.
Você logo pensou no Zé, não foi? – interviu Juvêntino, obtendo um desconcertante sorriso como resposta.
Bom, Senhor Prefeito! Já ficamos muito tempo junto. Pode deixar que tentaremos apressar nossas investigações e lhe manteremos constantemente informados sobre as mesmas. E aí, Renato?
Ninguém por perto! Nenhuma viva alma!
Otelo?
Mesma coisa. Nada por perto.
O grupo, que estava atrás da aeronave, se desfez. Saíram primeiro o Prefeito e seu Secretário. Os militares agiram diferentemente. Cada um saiu para um lado; Renato dirigiu-se para a cabeceira da pista; Rogério, para o seu final; o Otelo, por trás das demais aeronaves taxiadas; Corte Real caminhou para a Estação de Passageiros; o Carlão, para o estacionamento dos veículos dos funcionários e o Coronel, para uma pequena garagem onde estava estacionado um Belair 61, vermelho, muito bem conservado, seminovo pelo pouco uso e mais potente que o normal pelo "envenenamento" praticado em seu motor. O carro pertencia à Fazenda Araçatuba e ali ficava especialmente para atender àqueles que chegavam da fazenda e necessitavam ir à cidade.
O Coronel acionou o motor, retirou vagarosamente o veículo do pequeno abrigo e dirigiu-se para a saída do Aeroporto. Alguns metros à frente, o carro fez ligeira parada quando adentrou Corte Real.
Na Estação, tudo limpo! Os funcionários estavam em uma reunião administrativa, como você bem havia previsto.
O Tenente João Dias me informara!
Logo à frente, subiu Carlos Andrade.
Somente o guardador de carros. Perguntei se alguma aeronave havia taxiado recentemente e ele afirmou não haver prestado atenção. Parecia-lhe que um monomotor havia aterrissado, mas não vira os passageiros.
Mais à frente, eles recolheram Renato que afirmou nada ter encontrado de estranho. Voltaram, passaram pela Estação de Passageiros e continuaram até encontrarem, em uma estrada vicinal, Otelo e Rogério, que também nada haviam visto. Fizeram meia volta e se dirigiram para a cidade.
- Vamos ver o que nos espera.
SETE
Tomáz estacionou sua Lambretta bem em frente ao Edifício Araçatuba, pela Rua Oswaldo Cruz. Subiu ao quinto andar e adentrou no escritório da Aliança Representações, Pecuária e Exportações. No balcão foi atendido por uma secretária de aproximadamente uns 21 anos, Amélia seu nome, e pediu para falar com o Sr. Amadeu.
Teve que aguardar alguns minutos. Ao saírem dois senhores ele foi convidado a entrar.
Bom dia, Senhor Amadeu! – cumprimentou sorridente
Bom dia, Tomáz. Você anda meio sumido. O que está havendo?
Sr. Amadeu, eu acho que estou precisando muito de sua ajuda. Estão acontecendo coisas na Universidade que estão fugindo ao meu controle.
Seja mais explícito, Tomáz.
O senhor se lembra de que eu pretendia deixar uma turma da Universidade sem muitas alternativas para que dependessem da ajuda da Empresa e, portanto, a mercê dos nossos favores.
É uma turma de formandos, não Tomáz?
Sim! Eu os enrolei um bocado para que se confundissem sobre as solenidades de formatura. Deixei-os apreensivos quanto à atuação do D. A. Achei mesmo que eles estavam prestes a vir nos pedir um auxílio externo para a realização da mesma. Eu sabia que o Reitor estaria viajando participando de um Seminário em Curitiba. Acontece que o Seminário foi suspenso e o tal Padre não viajou. Eles conseguiram uma audiência com o Reitor e agora estão donos da situação, independentes do D. A. E eu queria do senhor uma sugestão do que fazer para torna-los novamente dependentes de uma ajuda externa.
Mas, Tomáz! Não será assim que eles dependerão muito mais de "ajuda externa" como você diz?
Só que com a união dos cursos,a Comissão de Formatura será mais heterogênea e deverão surgir firmas interessadas em patrocina-los. O senhor não se esqueça que tem pessoas das famílias Dionísio, Tagliaferro, Verdi, se formando.
Tomáz, calma! Vamos por partes. Primeiro: você achou que estes meninos, universitários e excelentes alunos segundo os currículos que estão em minhas mãos, iriam cair tão facilmente assim em suas mãos? Segundo: você acreditou que a simples ausência do Reitor iria desestimular estes meninos? Terceiro: qual a oferta concreta que você lhes ofereceu em contrapartida? Quarto: quais as garantias que você tinha de que eles se submeteriam às suas propostas de aliciamento? Se você respondeu a todas estas questões afirmativamente, a organização falirá com elementos iguais a você.
É que eles não são tão inteligentes como o senhor está supondo.
Tomáz, além de tudo você é muito arrogante. E gente arrogante é muito perigosa para nossa Empresa. O patrão não gostará de saber destes lances que você está me apresentando.
Senhor Amadeu, por favor! Eu vim lhe pedir ajuda e não apresentar um relatório de minhas atividades. Estou lhe contando estes fatos considerando-o um amigo. É um amigo pedindo socorro a outro amigo.
Tomáz, neste negócio, um, negócio que remunera muito bem seus participantes, não há lugar para erro, conselhos, amizades ou perdões. Exige-se única e tão somente competência e lucros.
Então me dê um prazo a mais e eu irei tomar providências no sentido de sanar minhas possíveis falhas. Por favor, não fale nada ao Patrão.
Ta bom! Olhe! Tente oferecer dinheiro para que esta turma se interesse por você e sua proposta. Dinheiro compra tudo neste mundo, até a mais alta dignidade. Vá direto ao assunto. Só não diga de onde tirará dinheiro para subsidiar a tal formatura. Outro conselho, dinheiro só para a formatura é muito pouco e se torna banal. Ofereça uma excursão, aos Estados Unidos, por exemplo. Arroje-se, menino! Voe alto!
Sim, Sr. Armando! E muito obrigado pelas dicas. Vou segui-las literalmente. Muito obrigado!
Ao entrar no elevador, Tomáz sentia-se bem mais aliviado. A bronca, merecida certamente, não havia sido muito humilhante. Sr. Amadeu estava de bom humor naquele dia e tinha a certeza de que ele nada diria ao Patrão. Nem reparou nos dois homens que entraram no elevador quando este parou no primeiro andar.
Tomáz sentou-se em sua Lambretta, deu partida e rodou pela Oswaldo Cruz até à Praça Nove de julho, entrando à direita e continuando pela Rua General Glicério. Diminuiu a marcha no cruzamento com a Rua Tabajara. Como vinha uma carreta, ele parou.
Neste momento, uma Kombi estacionou ao seu lado. Inesperadamente as portas laterais traseiras abriram-se pulando de seu interior quatro homens. Dois agarraram brutalmente Tomáz puxando-o da Lambretta e outros dois a pegaram e jogaram ambos para dentro da perua. Tomáz quis gritar, não o conseguindo devido ao violento soco que tomou na boca do estômago. Tudo ficou escuro, o ar faltou-lhe nos pulmões e ele nada mais viu.
Primeiro sentiu um gosto estranho na boca. Tentou sentir o que era. Não o conseguiu. Depois tentou abrir os lhos. A dor de cabeça era intensa. Quando recobrou mesmo os sentidos viu que estava amordaçado. Tentou mexer os braços e sentiu seus pulsos doerem; percebeu que estava atados por um cordão fino que lhe machucava a pele; as pernas estavam abertas e ele sentiu que estava sentado em algo até certo ponto macio, Reconheceu o assento de sua Lambretta. O que estava acontecendo? Um terror tomou conta de seu ser.
Tiraram-lhe a fita que lhe vedava os olhos. Então ele ficou horrorizado. Estava realmente em seu veículo. Seus punhos amarrados o prendiam ao banco e seus tornozelos a calenagem da moto. Esta estava no tripé. A Lambretta estava atravessada no meio da rua. Um caminhão, com o motor ligado, distante uns 150 a 200 metros dele era algo muito ameaçador e não deixava dúvidas sobre as intenções daquelas pessoas.
Seu Tomáz! – reconheceu a voz do Sr. Amadeu – Nunca cometa erros e os conte a alguém. Incompetência não tem perdão e muito menos desculpas.
O caminhão deu duas aceleradas. Tomáz arregalou seus olhos. Procurou Sr. Amadeu, Não o viu. O caminhão acelerou novamente. Tomáz tentou desvencilhar-se das cordas. Tentou gritar clamando por misericórdia e perdão. O caminhão começou a rodar. Afastou-se uns 10 metros. Tomáz balançava a Lambretta. Esta estava com o tripé fincado no chão. O caminhão voltou a rodar, desta vez para frente, motor acelerado, velocidade aumentando. Tomáz gritava desesperadamente; ouviam-se apenas sussurros. O caminhão se aproximava ganhando velocidade. Tomáz fechou os olhos.
Nada mais viu; nada mais sentiu; nada mais pensou.
O motorista ainda engatou uma marcha-ré e passou por cima da moto e do motoqueiro mais uma vez.
Os auxiliares retiram no meio da carne moída os restos de cordas, mordaça, tapa-olhos, enquanto o Sr. Amadeu corria avisar a polícia sobre o horrível acidente que presenciara na estrada para a Água Limpa, entre um motoqueiro imprudente e um caminhão carregado com pedras de Granito.
Foi um acidente horrível! Coitado do moço. Tão novo!
OITO
Márcio e Mércia acabavam de chegar em casa quando souberam, por intermédio de Iara que lhes telefonara, da morte de Tomáz. Lamentável acidente.
A família do falecido residia na Rua D. Pedro I, nos fundos do salão de costura de D. Guiomar. A aglomeração pública era muito grande. Todos consternados e incrédulos quanto ao acidente. Tomáz nunca havia sido um corredor irresponsável.
A urna, por ordem médica, permaneceu lacrada. Ninguém pode ver o corpo, tal o estado lamentável do mesmo.
Eu só não estou entendendo o que ele tinha de ver lá em Água Limpa. – comentou Tereza Cristina com os amigos na rodada dos universitários.
Segundo Sérgio Zuppi, secretário do D. A., ele foi falar com um fazendeiro daquela região sobre um patrocínio para a formatura da Universidade. Segundo o Sérgio ele queria que o D. A. bancasse a tal formatura, fosse coletiva ou por curso. – explicou Mércia
Eu não sei o porquê de alguma coisa estar me buzinando no ouvido de que esta estória está muito mal contada. Pra mim é falsa! Tem coisa podre neste meio! Gente! Pelo amor de Deus, é muita tragédia para tão pouca coisa. Formatura! Eu já estou me enojando deste assunto. É bem capaz que eu mande tudo à merda e nem participar desta porcaria eu participarei. Ta ficando muito polêmica e criando muitas inimizades. – exaltou-se Iara.
Eu concordo com você em gênero, número e grau. Só, Iara, que se você não participar pelo menos da colação de grau, o seu curso não terá validade.
Boa tarde senhores e senhoritas!
Boa tarde! – responderam.
Ué! O estrangeiro! O desconhecido! O que deveria ser, mas não é! O que era, sem deixar de ser! – papagaiou Jonas.
Tudo bem, meu amigo! Como passou desde aquele dia?
Bem, muito bem! O senhor é quem sumiu, O pessoal estava doido para lhe fazer algumas perguntas e quando o procuramos o senhor havia desaparecido.
Desculpe os arroubos do Jonas. – interferiu Márcio – É que ele nos havia dito que tudo indicava que o senhor seria uma pessoa conhecida, mas que ele mesmo não se lembrava do senhor.
Realmente, ele declarou isto naquele dia. Mas na realidade eu não posso dizer que os conheço a todos. Poder-se-ia dizer: a quase todos.
Mas como? De onde? O senhor nunca estudou conosco?
Você tem tanta certeza disto?
Bom, sinceramente eu não me lembro do senhor.
Eu lhe disse, quase todos. Mas, acabemos com o mistério. Eu fui um assíduo freqüentador do Araçatuba Clube e como minha família era mais humilde eu mais os notei do que fui notado. Nunca pertencemos à elite social desta cidade. A nossa participação no Clube mais se deu pelo arrojo e ousadia de minha mãe do que propriamente pela nossa condição social e financeira. Daí eu os conhecer e vocês não a mim.
E quem era sua mãe? – perguntou Mércia
Desculpe-me. Ela já faleceu e eu, se me permitirem, gostaria de mudar de assunto, sem querer ofender a ninguém. Apenas não suporto saudades e nostalgia.
Tudo bem! Outro dia conversaremos sobre o assunto, se assim você quiser. – ponderou Mércia.
O falecido era Presidente do D. A.? – o novato agora falava com Márcio
Sim, era sim!
Difícil de se entender um acidente, não?
Para o senhor ver. Um rapaz novo, não diria querido por todos, mas por uma pequena ala política da Universidade. Mas, realmente um acidente, mesmo com o nosso pior inimigo, choca sempre a gente.
Vocês não eram muito chegados?
Não! Eu não tinha nada contra ele. Só estávamos tendo uma pequena desavença por causa de nossa formatura. Uma coisa idiota. Ele não queria organizá-la e nem nos deixar fazê-lo.
E já se sabe o porquê?
Parece-me que ele pretendia fazer tudo sozinho! Dizem que o acidente aconteceu por que ele havia ido à fazenda de um provável patrocinador das solenidades.
E quem seria este patrocinador?
Sinceramente, não sei! O rapaz que o secretariava também, não o sabe. Parece que Tomáz guardava o nome sobre sete chaves.
Bem interessante! Você não acha Márcio?
É! Eu até agora não entendi o porquê da atuação solitária, do sigilo do patrocinador. Por que todos este mistério? E para uma coisa tão banal em relação às proporções assumidas.
Gente, o caixão será levado para a Igreja Matriz. – anunciou Iara
Mas, já? – duvidou Márcio.
Parece-me que o estado do corpo requer um enterro mais rápido.
Credo!
Márcio, eu poderia encontrar-me com você uma outra hora, para trocarmos algumas idéias. Confesso que também estou cheio de minhocas na cabeça a respeito deste acidente.
Você é policial?
Encontremo-nos e eu terei o prazer de falar-lhe a meu respeito. Tenho certeza de que você terá algumas surpresas.
Tudo bem! Onde?
No Araçatuba Clube. Poderíamos nos reunir no salão do restaurante. Quase ninguém o freqüenta nos horários da piscina. Que tal?
Tranqüilo!
Então, amanhã, digamos, às dezesseis horas?
Sem problemas!
Por favor, não comente com ninguém estranho este nosso encontro.
Tudo bem! Mas, algum inconveniente se eu levar minha irmã?
De forma alguma. As pessoas de sua inteira confiança serão bem-vindas. Mas, se duvidar de alguém, não o leve.
Então, até amanhã!
Até amanhã!
Adalberto saia do meio da multidão quando dele se aproximou Rogério
Por favor, posso levar o avião da minha irmã? Algum inconveniente que eu leve aquela mulheraça para conversar com você? O senhor gosta o sexo oposto, não?
Cala a matraca que ela já funcionou mais do que precisava por hoje.
Eu ainda vou ser Coronel! Você viu Otelo? – dirigia-se ao baixinho que se aproximava.
Tem pai que é cego mesmo!
NOVE
Era uma linda manhã de abril, céu azul, calor ameno o que não era muito peculiar em Araçatuba, tudo propício para ser um desses dias muito felizes e repletos de realizações.
Senhores, é um prazer recebe-los em nossa humilde morada. – assim falava Dr. Wladimir Pimenta Ribeiro, Diretor-Presidente da Aliança Representações, Pecuária e Exportações, seu proprietário bem como de várias outras empresas e negócios escusos, a uma comissão de "representantes comerciais" japoneses todos vinculados a Yakusa e que ali estavam para tratarem de altos negócios de importação e exportação.
Senhor Wladimir, nós gostaríamos de ir direto ao assunto principal de nossa visita. – um nissei muito elegante em seu terno impecável, abotoaduras de ouro fazendo conjunto com o anel que ostentava em um dos dedos de sua mão direita – Nós viemos trazendo uma salutar e variada mercadoria e gostaríamos de saber se a sua está pronta.
Claro! Evidentemente! Minhas peças estão em outro local. Esta fazenda é apenas a fachada para os meus negócios, digamos, Lícitos. Aqui eu só tenho plantações e gado. Mas aí na porta está um avião que nos levará para lá, uma questão de duas ou três horas de vôo. E onde estão as de vocês?
Na residência de um correspondente nosso, em uma chácara nas cercanias da cidade. Se o Senhor preferir iríamos antes lá e depois até as suas mercadorias. Concorda?
Tudo acertado, bebericaram alguns goles de whisky escocês, outros, vodka russa, outros ainda optaram por um bom "Cuba Libre". Entraram em duas peruas Kombi e saíram em direção ao chamado depósito de mercadorias dos japoneses.
Este ficava em uma chácara às margens da Rodovia Marechal Rondon, entre Araçatuba e Guararapes, lugar aprazível, casa luxuosa, mas pequena tendo uma bem cuidada represa ornamentada por um gramado muito bem cuidado e flores, as mais variadas. Desceram dos veículos, mas não entraram na casa, dirigindo-se para um local mais afastado, um casarão velho, um depósito, com um cômodo só, amplo e pouco higiênico.
Sentadas no chão, amarradas e amordaçadas, seis mulheres orientais. Mais afastado, uma outra, nua, os punhos e os tornozelos amarrados entre dois troncos grossos, bem abertos, formando um "X". Estava também amordaçada e olhar aterrorizado.
Os brasileiros, comandados pelo Dr. Wladimir, passaram pelas meninas que estavam no chão observando-as com olhares bem curiosos. Perceberam que um mal cheiro exalava delas, cujos olhares apavorados os acompanhavam. Dr. Wladimir demonstrou aos nipônicos que estava sentindo o odor desagradável. Um deles, talvez o mais forte, aproximou-se de uma, agarrou-a pelo braço, levantou-a, colocou-a de costas para todos, subiu-lhe a saia imunda e mostrou uma calcinha cheia de fezes e que já, meio seca, esparramava-se pela região glútea. Na frente, a marca da urina derramada na mesma. As cochas estavam sujas desta horripilante mistura.
Explicou o intérprete de que elas estavam isoladas de todos desde o Japão e que por uma questão de segurança não foram soltas um momento sequer. Portanto haviam defecado e urinado nas próprias roupas. Inclusive a que estava entre os postes e que esta havia sido lavada para servir como demonstração.
Um dos japoneses dirigiu-se às prisioneiras e falou rispidamente com todas elas. Esbravejou, gesticulou muito, apontou para aquela entre os troncos e até chutou os pés de uma delas. Ao terminar, olhou para o intérprete e este, perguntando se aprovara o lote e sendo afirmativa a resposta, pediu ao Dr. Wladimir que demonstrasse naquela entre os postes como agia com quem o desobedecesse. Dr. Wladimir sadicamente sorriu, olhou para a prisioneira e aproximou-se da mesma.
Quinze chibatadas com rebenque de três pontas, queimaduras dos seios com cigarro, penetração vaginal e anal com grossos dildos, muitos socos e tapas no rosto.
É assim que fazemos aqui no Brasil, meninas. Alguém quer experimentar o tratamento? – a tradução foi simultânea.
E voltando para seus asseclas:
Retirem este molambo dos postes e a levem para tratamento médico na fazenda. Deixem-na uns tempos nas lides domésticas cuidando dos banheiros e das camas de vocês – e sorrindo – de preferência com vocês nelas.
Dr. Wladimir, vamos aos nossos outros negócios? – falou o intérprete.
Ah, sim! Amadeu, faça-me o favor.
O Gerente do Escritório se apressou em abrir uma pasta contendo várias cédulas de dólares. Era o pagamento pelas escravas brancas nipônicas.
Seria bom o senhor conferir. Gostaria de acompanha-los nesta conferência. Vocês sabem, devemos desconfiar até de nossas sombras.
As cédulas foram depositadas em cima de uma pequena mesa e contadas, uma a uma, obtendo-se o resultado esperado.
Dois homens chegaram com uma caixa de madeira lacrada com um cadeado. Aberta, mostrou-se repleta por pacotes de meio quilo da mais pura cocaína. Os japoneses se extasiaram com o aspecto dos pacotes no pequeno container.
A qualidade do produto continua a mesma. Nunca iríamos batizar nossa mercadoria destinada a clientes tão generosos como os senhores. Experimentem!
Sim, realmente é de muito boa qualidade! - falou o intérprete após o sinal de aprovação dado por um dos japoneses que a experimentara.
Dr. Wladimir! Só não entendemos o porque de vocês pedirem moças de nosso país para trabalhos especiais quando no Brasil os senhores possuem as moças mais encantadoras do mundo, tanto que fazemos questão de as levar para o Japão.
Pelo exotismo das orientais, Senhor Ideo. Elas oferecem serviços muito especiais. Na viagem posso lhe explicar alguns deles, que para vocês pode não ter nenhum significado especial, mas para certos brasileiros é motivo para programas caríssimos e dos quais brasileiras não conseguem fazer, por mais que apanhem ou sejam torturadas.
O grupo voltou para os carros. Havia um, que já estava na chácara, tipo camburão, onde foram colocadas as moças, inclusive a desfalecida supliciada. As peruas Kombi fizeram o mesmo trajeto para a volta. A fazenda ficava nas proximidades do patrimônio de Água Limpa. Lá o grupo adentrou no DC-3 da Empresa que alçou vôo rumando para os lados do Estado de Mato Grosso.
- Resolveremos um pequeno problema em Andradina, pernoitaremos me Campo Grande e depois seguiremos para o nosso destino final.
DEZ
Márcio, Mércia, Iara, Tereza Cristina, Jonas, Walter, Décio e João Gordo estavam encostados na mureta que separava a piscina olímpica dos salões de restaurante e festas do Clube. Uma mureta coberta com pedras lapidadas vermelhas, pretas e amarelas, com aproximadamente 0,60 cm de altura o que permitia sentar-se nas mesmas, apesar das broncas do Sr. Angelim, responsável pela ala aquática do Clube.
Estavam conversando despreocupadamente e nem se aperceberam da presença de um rapaz encostado próximo a eles. Tereza Cristina comentava:
Como o Sr. Fernando chorou ontem no cemitério, não gente?
Perder um ente querido e da forma como foi a morte de Tomáz não deve ser nada fácil. – era a opinião de Walter
E o pior é que ninguém entendeu até agora o tal acidente. Uns falam que ele esteve no Edifício Araçatuba, demorou-se um pouco por lá e depois... Desapareceu. Já o encontraram morto na estrada da Água Limpa.
Não é lá onde funciona o escritório de uma firma chamada Aliança? E ele não prestava serviços para essa tal de Aliança? Um dia, se não me falha a memória, eu lhe perguntei onde trabalhava e me lembro perfeitamente bem dele mencionar esta Aliança. – lembrou-se Jonas
Meu pai nos contou ontem no jantar que o dono desta tal de Aliança, é riquíssimo e nunca aparece em público. Somente seus "testas de ferro". Diz meu pai que é uma empresa que movimenta altas somas de dinheiro.
Neste momento foram interrompidos por um pretinho:
Os senhores poderiam me acompanhar? Parece-me que querem se encontrar com alguém?
E quem é o Senhor? – perguntou Jonas
Um amigo de um amigo de vocês. Meu nome é João Pacífico dos Santos, mas me conhecem por Otelo. – e lhes mostrou uma identidade pessoal já bem desgastada pelo tempo – Podemos ir até a sala preparada para a reunião?
E todos acompanharam o homem baixinho. Foram seguidos pelo rapaz que estivera todo o tempo ao lado deles. Passaram pelo salão do restaurante, subiram para o andar superior, atravessaram todo o salão de danças e adentraram em uma sala pequena, sem mobília e com apenas uma porta. Ao passar por ela, levaram um grande susto.
Estavam em um cômodo bem maior e que dividia a parede lateral com todo o palco do salão de festas; uma grande mesa, com aproximadamente doze ou treze cadeiras estofadas, uma de café e guloseimas ao canto e... o desconhecido... fardado. Ele era um Fabiano.
Meninos! É com muito prazer que lhes apresento o Tenente-Coronel Adalberto Teles Bretas, Comandante Geral das Forças Armadas.
O que? Quem? – abobalhado perguntou Jonas.
Eu não acredito nisto. É uma farsa! O Beto morreu há muito tempo. – acrescentou Tereza Cristina.
D. Berenice está passando bem, Te? Maria Luiza, Antonio Carlos, Lygia? Esta sarou por completo da meningite? – falou o "desconhecido".
Lágrimas desceram pelo rosto de Tereza Cristina. O pranto soou alto. E ela se atirou ao encontro do rapaz, enlaçando-o, chorando convulsivamente.
Jonas, alegando sucessivamente: "Sou homem! Sou homem!", também não continha as lágrimas. Diante dele talvez um de seus amigos mais queridos, mais chorados. Juntou-se à Tereza Cristina no abraço ao verdadeiro irmão que julgara perdido para sempre. Depois...
Desgraçado! Bosta! O que você aprontou, ordinário? Por que nunca disse que estava vivo? Onde você andou metido este tempo todo? Fala logo, miséria! Cafajeste!
É, cara! Explicar talvez eu não o consiga. Às vezes eu mesmo fico sem saber o que na realidade o Homem lá de cima pretendia quando me aprontou tudo o que passei. – falava isso ainda abraçado ao amigo e à garota que continuava em prantos.
E esta farda, meu? E pelo tom solene ali do moço você agora é "pica grossa". O que você faz na vida? Sei que é militar. E da FAB. De antes ou depois das modificações do sistema militar brasileiro?
Ele é quem sugeriu, moldou e instalou o novo modelo, Jonas! – acrescentou um senhor também fardado – e só não é o Ministro porque não aceitou o cargo.
Então você é o cara de quem tanto falam no rádio? O tal de Comandante Adalberto? E nunca aparece no Canal 100, só falam em você, sem lhe mostrar a cara.
Gente, vamos nos sentar? Temos muito que conversar. Achamos que vocês estão correndo seriíssimo perigo. Principalmente vocês duas, Mércia e Tereza. Eu pediria que primeiro falasse o militar e depois o amigo. Pode ser?
Perfeitamente, Comandante! – decidiu Márcio – E pelo entusiasmo de meus colegas acredito que o papo do amigo será bem restrito.
E é onde você se engana, amigo. Quer ver? Mércia, você se lembra de um desfile de trajes típicos do qual você participou no Cine São Francisco? Você estava vestida
De primeira comunhão?
Sim, de primeira comunhão.
Não me venha falar que você era...
Exatamente. Naquele dia usava um de meus primeiros ternos, evidentemente com calças curtas. Aquela menininha até hoje é minha noiva, sabia?
Meu Deus do Céu! Então você é filho de D. Maria Teles?
Perfeitamente1
Muitas amigas me diziam que você afirmava me...
Senhores! Senhores! O militar está novamente saindo de cena. Desculpem a falta de educação deste senhor que ainda não nos apresentou. Sou o Capitão Rogério Cardoso, Coordenador desta Investigação e logicamente desta reunião. Com a permissão de todos, assumo a presidência desta mesa, por livre e espontânea pressão. Com licença!
Gente, realmente eu cometi a gafe de não apresentar meus companheiros a vocês. Creditem minha falha à emoção enorme que senti ao revê-los.
Pois bem, jovens! Este aqui, magrelo, feio, mas competentíssimo em eletrônica é o Tenente Corte Real; este, à minha direita, é mestre na idealização e produção de caracterizações para uma camuflagem perfeita e atende pela alcunha de tenente Renato Marzagão; este que mais parece um mocinho de cinema, apesar de eu pessoalmente achar que ele está mais para galã de cinema mexicano, como Cantinflas, por exemplo, mas mestre na técnica de aproximações e ataque, é o Capitão Carlos Nascimento. Detalhe importantíssimo:
É araçatubense e foi colega de banco do Beto. – intrometeu-se Cristina.- agora é que fui me lembrar de você, Carlão. Também, um moço lindo como você era, apresentar-se com este cabelo e esta barba horrível, só poderia transformar-se em galã de filme de terror.
Obrigado, querida! – maior ironia por parte de Carlos, seria impossível, mesmo com o fraternal abraço trocado com a garota.
Isso, querida. Concordo com você! Só que ele é o maior intrometido do grupo, pois tem uma facilidade para infiltrar-se ou aproximar-se de alguém ou de algum lugar. E este "pretinho", este negro de alma branca, muito competente no uso das mais variadas armas fabricadas no mundo é o Tenente Otelo, ou melhor, Tenente José Honório do Amaral. A identidade que vocês viram era completamente falsa. Eu sou o menor do grupo. Minhas limitações provêem da minha idade, minha escle...
Ora, cala esta matraca! – falou Capitão Carlos Nascimento – Este é o Capitão Rogério Cardoso, auxiliar direto do Coronel Adalberto, emérito estrategista e espião de primeira.
Sim, pessoal, Rogério é o mentor intelectual desta operação de guerra em que estamos metidos. E para nós, vocês são os alvos diretos do inimigo.
ONZE
Em Andradina, deixaram parte da comitiva e os visitantes aos cuidados dos empregados de Stanislaw Pontes, assecla e gerente da firma naquela cidade e que juntou ao Doutor e Amadeu embarcando em um Cessna 270, quatro lugares, alçando imediatamente vôo em direção à Fazenda São Sebastião, gleba de terras situada entre Andradina e Entre Rios. Após quinze minutos de vôo aterrissaram na Fazenda.
Nem se aproximaram da sede, que por sinal ficava em uma das cabeceiras da pista de grama. Do avião embarcaram em uma perua Chevrolet e, entrando em uma estrada aberta pelos próprios pneus dos carros que ali transitavam, dirigiram-se ao retiro denominado de Timboré, nome do córrego que abastecia o local.
Havia uma casa feita com grossas madeiras na sustentação, paredes de barro e ripas de bambu. A cobertura feita com telhas francesas. Nela morava mais um membro filiado à Máfia, o chamado Demóstenes. Ou melhor, Maizena. Preto alto, forte, careca, bigode e sobrancelhas finas, pescoço imperceptível. Dificilmente sorria. Risos? Só sádicos, quando satisfeitos seus instintos.
Recebidos no próprio carro, desceram e se dirigiram para a pequena represa formada pelo controle da evasão d'água do Timboré. Atravessaram pela parte cimentada das paredes do tanque e embrenharam na mata percorrendo uma estreita trilha que os obrigava andar em fila indiana. Observaram várias bifurcações pelo caminho, explicadas por Maizena como "eliminadoras de intrometidos". E deveria ser verdade, pois quem se perdesse naquela mata poder-se-ia considerar eliminado por animais selvagens, ou pelas armadilhas esparramadas pelos bandidos.
Chegaram a um rancho em meio a uma pequena clareira. Constituía-se apenas de um cômodo, feito de pau a pique e coberto com folhas de babaçu. Devido à altura das árvores passava despercebido se porventura houvesse um vôo por cima daquele local. Explicou Maizena que ali não era rota de nenhum avião convencional. Qualquer vôo mais insistente seria suspeito e, portanto, derrubada a aeronave.
O motivo da movimentação de todo o grupo encontrava-se ali, bem perto das árvores, mas de forma que não era beneficiada pela sombra das mesmas. Em um cruz, estava amarrada uma moça, praticamente desfalecida, suja, boca seca e olhos vidrados.
Está morta, Maizena?
Acho que não, Patrão!
Se você me fez vir aqui para ver um cadáver, você é quem vai ocupar esta cruz.
Patrão, eu não seria doido a este ponto. Ela deve estar cansadinha.
Há quanto tempo ela está dependurada nesta cruz?
Acho que há uns três ou quatro dias. O ruim é que eu, de vez em quando, esqueço de lhe dar água e comida. Ontem mesmo, eu só vim pela manhã e estou voltando agora.
Frederico, Giovanni, Pedro! Desçam esta desgraçada da cruz! – eram companheiros de Maisena, moradores no Timboré
Cuidado, pessoal! Há um arame passado na testa dela, por baixo dos cabelos, segurando-a na trave de cima.
O que foi que ela fez? Por que este castigo? E por que da minha presença neste lugar? – perguntou Dr. Wladimir – Você sabe que eu não gosto de execuções sumárias.
Dr Wladimir, ela comprou uma porrada de material nosso. No começo foi tudo bem, ela esparramou um bocado pela cidade e nos pagou direitinho. Conseguiu matricular-se em um Colégio e fez várias meninas participarem de sessões de fumacê e cheirinho. Muitas são nossas freguesas hoje. Só que a desgraçada apaixonou-se por um cara e deu para sair com o indivíduo. E aí a coisa começou a feder. Vários consumidores nossos foram presos e enviados para Clínicas de Recuperação.
Alcagüete?
Sim, senhor! Muitos funcionários nossos estão presos, denunciados e condenados como traficantes de drogas. Um dia nós pusemos um cara novo na parada e apresentamos o mesmo só para ela. Ninguém sabia da ligação dele conosco. Ele surgiu como dependente e a procurou para comprar um papelote. Na segunda vez que ele a procurou já deu de testa com o milico companheiro dela que o aconselhou a procurar uma Clínica de Recuperação. O pior é que a descarada estava junto do "cana". Confirmado o fato, preparamos um acidente para o namorado dela, coitado, atropelado por uma ambulância e trouxemos esta aí para cá. Achei melhor mostrar tudo pro senhor e que o senhor a conhecesse.
Fez bem!
A moça havia sido tirada da cruz.
Cara! Precisava por um arame farpado para sustentar a testa?
Era o que eu tinha à mão.
Dêem água e comida para esta merda. Reanime-na de qualquer jeito. Joguem-na dentro da represa, metam-lhe os dedos pelo fiofó, façam alguma coisa. Quero esta puta inteira, logo, logo!
Carregaram a mulher, meio arrastada, meio suspensa, até a represa e sem nenhuma cerimônia a jogaram dentro d'água. Giovanni pulou junto, pois não a queria perder de vista, nem permitir que se afogasse. A mulher, ao receber o choque da água fria, estremeceu e começou a debater-se. Ao chegar à tona, soltou um berro de desespero. Quase havia sufocado.
Beba água, morfética! – ordenou Giovanni.
Ela quis relutar, mas teve sua cabeça mergulhada n'água sendo obrigada a engolir grandes goles do líquido. Giovanni a pegou pelos cabelos e a arrastou até a margem, sendo ela puxada pelos demais.
Da sede ela está curada. – diz Giovanni.
Vamos agora encher seu estômago com muita sustância. – considerou Maizena – alguma coisa que encha logo o bucho dela.
No rancho, após amarrarem-na em uma rústica cadeira, Maizena puxou seu pênis para fora da calça e começou a se masturbar. Frederico entendendo as intenções do negrão sugeriu a Giovanni e a Pedro que fizessem o mesmo, enquanto se colocava por trás da mulher, enlaçando-lhe o rosto virando-o para trás deixando a face da infeliz garota para cima. Com a mão direita, forçou-lhe a mandíbula obrigando-a a abrir a boca.
Maizena já estava nos limites do orgasmo. Aproximou o pênis do órgão conservado aberto pelo assecla e jorrou seu líquido para dentro. A vítima tentou se contorcer, mas estava firmemente segura pelo sádico bandido que se deliciava com o tormento da vítima. Ela sentiu o líquido descer goela abaixo e para não ficar sufocada, foi obrigada a engoli-lo. Como um pouco escorreu pelos cantos dos lábios, Maizena recolheu-o com a ponta dos dedos e os enfiou na boca da moça, limpando-os na língua. O mesmo procedimento aconteceu quando Giovanni e Pedro gozaram.
Pronto, está alimentada. Já se fortificou! – comentou Giovanni.
Ainda não! – diz Maisena - Este foi o leite. Falta a carne! E eu tenho alguma coisa guardada para ela.
Saiu e logo depois voltou. Trazia na mão esquerda um rato enorme e na direita uma faca. Mandou os comparsas abrirem bem a boca da "criança". Esta percebendo o que lhe iam fazer começou a urrar desesperadamente pedindo que a matassem.
Maizena colocou o animal sobre a mesa e decepou-lhe a cabeça. Rapidamente despejou o sangue na boca da desgraçada. Esta engasgou, tossiu, engoliu um bocado, puxava o ar desesperadamente. Ao voltar a respirar normalmente, recebeu o rato em sua boca. Como o algoz não conseguia faze-lo descer inteiro pela garganta da moça, começou a dilacerar o rato em pedaços menores que, forçados com seus dedos fortes, quebravam-se e as partes menores eram engolidas pela supliciada.
Agora sim, ela está realmente muito bem alimentada. Tomou leite e comeu carninha. Dêem a ela um pouco de líquido para descer totalmente a comida ingerida.
É, isto é mesmo necessário - confirmou Frederico.
Pegaram uma vasilha de vidro, urinaram nela e depois fizeram a mulher, praticamente desfalecida, beber todo o conteúdo do frasco. Terminado o processo de alimentação chamaram o Dr. Wladimir para lhe entregar a vítima.
Eu assisti a brilhante atuação de vocês. Acredito que não se precisa fazer mais nada. Deixem-na recuperar-se um pouco e depois tragam-na para fora.
Quase uma hora depois, tempo gasto com piadas, causos e outras amenidades, desatada da cadeira, a mulher foi colocada em pé. Ia cair quando foi amparada por Giovanni enquanto Frederico lhe aplicava sonora bofetada na cara. A moça foi obrigada a cambalear até o quintal do rancho. Ela mais parecia um autômato.
Seguindo as ordens do Dr. Wladimir ela foi colocada novamente na cruz. Desta vez não foi amarrada. Suas mãos e seus pés foram transpassados por grossos pregos, próprios para moirões de porteira. Seus tornozelos e seus pulsos foram atados ao lenho com arame farpado, bem como suas cochas, braços e seios.
Maizena! Você só me apareça aqui quando vir os urubus sobrevoando esta carniça. Nem água, nem comida. Depois, incinere o corpo em uma vala cheia de gasolina e queime este rancho também.
Sim senhor!
Rapazes, serviço feito. Vamos embora!
Inesperadamente ouviram um sussurro quase inteligível:
Desgraçado! – era a moribunda.
Todos riram!
DOZE
Todos os jovens estavam sisudos, preocupados, dir-se-ia aterrorizados. Nunca poderiam imaginar-se ameaçados por alguém ou por alguma coisa. Não tinham inimizades, tão somente desavenças com outros adolescentes motivadas por namoricos, disputas esportivas, posicionamentos em sala de aula, etc., nada mais grave. E agora lhes apareciam policiais da Inteligência Brasileira dizendo-lhes ameaçados? Duvidavam...
- A coisa é mais pérfida do que vocês possam imaginar. – falava o Coronel Adalberto. – Estou contrariando instruções do Rogério que preferia mantê-los longe da verdade evitando assim preocupações. Só que, no meu modo de pensar, vocês estariam muito mais expostos e poderiam inclusive prejudicar outras pessoas graças à displicência natural do jovem não acostumado com situações de opressão. Querem um exemplo? Corte Real, use o gravador.
O militar tirou um pequeno aparelho do bolso, uma caixinha quadrada com uma tampa acrílica e uma parte metálica semelhante a um pequeno alto-falante, destes usados nos rádios portáteis, como os da Hitashi. Levantou a tampa e inseriu uma peça pequena encaixando-a em duas pequenas hastes plásticas. Fechou, acionou uma tecla então se ouviu uma voz muito conhecida e que dizia:
" Meu pai nos contou ontem no jantar que o dono desta tal de Aliança, é riquíssimo e nunca aparece em público. Somente seus "testas de ferro". Diz meu pai que é uma empresa que movimenta altas somas de dinheiro.".
Os olhos de todos estavam quase saindo das órbitas. A incredulidade era até certo ponto hilária, isto pelas caras apalermadas dos rapazes.
Te, nunca comente com os outros o que seu pai conversa com vocês na intimidade de seu lar.
Mas, como conseguiram?
O Renato estava bem ao seu lado e gravou toda a conversa de vocês. Este aparelho é ainda uma raríssima novidade no Brasil, mas a Sharp nos forneceu este modelo que está em teste nos Estados Unidos. É um gravador chamado de K-7. Logo, logo ele se popularizará. Só que os marginais já dispõem desta tecnologia. E de outras muito mais sofisticadas.Corte Real, por favor!
Bem, este aparelho de televisão pode parecer igual aos outros que vocês já viram. Só que este modelo da Yashika, usa umas pecinhas muito pequenas chamadas de transistores e que substituem as válvulas. Este outro aqui é um aparelho quase inédito em nosso país. É um vídeo-cassete, aparelho que reproduz imagens gravadas por estas câmaras chamadas digitais. Toda esta parafernália é ainda produto de laboratório. Conseguimos com os cientistas japoneses e que nos alertaram terem notícias de que algumas empresas já as possuem. E para vocês terem uma idéia, observem aqui na tela.
Ligou a TV que imediatamente acendeu o tubo de imagem; introduziu o que chamou de fita VHS no tal vídeo-cassete, ligou-o e... Surpresa! Eles estavam na tela da televisão, mais precisamente Mércia e Tereza Cristina, focadas de todos os ângulos e de todas as maneiras. Na praça, na entrada de suas casas e, principalmente e mais demoradamente, na piscina, sendo seus corpos destacados de todas as formas e suas nádegas, seios, cochas e pés filmados em close.
Pasma, Mércia estava com as duas mãos como a esconder suas faces rubras. Tereza Cristina chorava, soluçando descompassadamente. Todos olhavam incrédulos para a tela. Como tudo aquilo acontecera sem eles notarem nada? Eles não haviam visto nenhum homem perto deles em atitude suspeita ou portando qualquer coisa. Como eles conseguiram aquelas imagens? E de tão perto?
Preparem-se para o pior – alertou-os o Coronel Adalberto.
Pior? – gritaram juntos Walter e Jonas
Coronel – perguntou soluçando Tereza – pode haver algo pior do que isso? Descobrir-se descaracterizada, ofendida, sem nenhuma privacidade? Vocês não podiam ter nos filmado assim, mal intencionados, como se estivessem expondo uma mercadoria para venda.
Te, não fomos nós quem as filmou. – a notícia caiu como uma bomba.
Meu Deus! – gritou desesperada a garota.
Mércia estava estática, gelada, como se nada visse e nada ouvisse. Seu mutismo era sinônimo de desespero. Alguém a espiara, fotografara de maneira pornográfica, aviltante, agressiva. E o pior: sem seu consentimento.
Capitão Rogério Cardoso começou a contar a real história da fita:
Estávamos participando, dando cobertura a uma inspeção na Alfândega do Rio atendendo solicitação da Receita Federal. Entre os vários produtos exportados havia uma caixa contendo livros e segundo a Nota de Exportação, referentes a autores da Literatura Brasileira. Um de nossos soldados, louco por Literatura – e apontou para o Coronel Adalberto – abriu a caixa no intuito de saber quais os títulos e autores exportados. Ao pegar um grosso exemplar de "Os Sertões", de Euclides da Cunha, ele percebeu que o mesmo era desproporcionalmente leve para seu tamanho, não se dobrava facilmente e era o único envolvido em um papel celofane transparente. Curiosidade de militar lhe permite certas coisas proibidas para outros. Tirou o papel e ao abrir o livro encontrou esta fita que vocês acabaram de assistir a um trecho.
E é por isso que lhes disse anteriormente, lembram-se? Que talvez eu não conseguisse explicar certas coisas. Como já falei: às vezes eu mesmo fico sem saber o que na realidade o Homem lá de cima pretendia quando me aprontou tudo o que passei. Se não estivesse na Alfândega naquele dia; se não gostasse de Literatura Brasileira e, primordialmente, se eu não conhecesse bem Tereza Cristina e Mércia. A caixa estava destinada para Tókio. O endereço do remetente? Aquidauana, MT! Evidentemente falso ! Do destinatário? Abandonado às pressas.
Adalberto, mas, e agora? – falava mansamente Mércia – O que faremos? Vocês vão nos dar proteção? Como deveremos agir? E nossos pais? Eles tinham que estar nesta reunião. Eles têm que saber o que está acontecendo conosco.
Calma, Mércia! Eles ficarão sabendo no devido tempo e por pessoas que saberão dar-lhes a notícia e os orientarão na maneira de se comportarem. Queremos que vocês continuem suas vidas normalmente. Sei que será difícil. Precisam ser bons atores. O medo do Rogério era justamente este: o pânico. Mas eu acredito que vocês saberão controla-lo.
Mas, e se formos atacadas?
Vocês estão sendo vigiados, todos vocês, 24 horas por dia e por uma equipe geralmente composta por sete ou oito homens. Vocês não os percebe, como não viram o Renato ao lado de vocês, mas eles não desgrudam os olhos um minuto sequer. Minto, só quando vão ao banheiro!
O sarcasmo da última afirmação serviu para amainar um pouco o ambiente. Houve até alguns ligeiros sorrisos.
Vocês agora irão para suas casas, não comentem nada com ninguém, nem conversem entre si sobre este assunto e deixem o resto por nossa conta. Vocês receberão notícias e instruções nossas, todos os dias.
Adalberto – perguntou Mércia – vocês já tem alguma idéia do desgraçado que está fazendo isto conosco?
Sim! O mesmo que matou o Tomáz e que por sinal morreu por causa de vocês. Ele falhou na tentativa de alicia-los.
Meu Deus! Tudo isto é sórdido! – expressou-se Mércia mostrando uma cara de nojo,
Querida! – falou o Coronel Adalberto – E do terço todo, você ainda não sabe ao menos uma Ave-Maria completa.
Márcio! Parece-me que você não chamou a turma toda?
Coronel, eu não encontrei a Margarida. Fui à residência dela e não a encontrei. Ela é mesmo meio isolada da turma só aparecendo na praça de vez em quando.
Tudo bem! – respondeu o militar
Márcio não percebeu o olhar de desconfiança que ficou no ar.
TREZE
Haviam dormido em um Hotel de alta classe, luxuosíssimo, o Continental Palace Hotel. Os apartamentos, antecipadamente reservados, separaram naturalmente os grupos. No 10º andar ficaram os brasileiros; no 11º, os japoneses. Era o que havia de melhor em Campo Grande, Mt.
Logo que amanheceu tomaram o farto café da manhã servido pelo hotel. Pegaram alguns táxis e, no aeroporto, embarcaram no mesmo avião que os trouxera até ali.
Durante a viagem, conforme prometera, Dr. Wladimie explicou quais eram os programas especiais que faziam com as japonesas.
Scatofilia, senhor Ideo. Principalmente Scatofilia. As brasileiras não conseguem praticá-la. O mais que se consegue com elas é vê-las defecando ou urinando. As japonesas fazem isto e ainda comem as próprias fezes e bebem a própria urina. Obrigando-as, com uma pequena dose de violência, elas fazem isto com o produto dos clientes.
Dr. Wladimir, em nosso País, isto também não é comum. Elas dramatizam estes procedimentos. As "fezes" são feitas com chocolate. A "urina" que bebem nada mais é do que cerveja ou guaraná. O odor é provocado por produtos químicos usados em imperceptíveis cordões jogados nos cantos da sala. Teatro, Dr., simplesmente teatro.
Pois é, Senhor Ideo, aqui é na verdade, no real, com o freguês bem próximo delas. Daí o sucesso de nossos empreendimentos e o preço exorbitante que lhes pagamos pelas moças. Elas também agüentam bem mais as sessões de tortura. Pode-se ser bastante realista com elas. As brasileiras são mais moles, mais fracas, não sei se pela precariedade de sua formação e alimentação ou se pela própria natureza do ser humano. Enfim, é um bom e lucrativo negócio.
Depois de aproximadamente três horas de viagem, aterrissaram em uma pista não pavimentada, no meio de uma densa mata virgem. Três peruas "Willys" os aguardavam a certa distância. Sem ninguém pronunciar uma só palavra, adentram nos veículos e estes se movimentaram por uma estreita trilha que parecia ter sido traçada na largura exata dos veículos.
As cabanas eram feitas de madeira em uma clareira onde nada mais existia do que elas. Em um sobrevôo dificilmente alguém as perceberia, pois o telhado era feito com pedaços de tábuas velhas o que confundiria uma visão do alto. Eram umas três pequenas construções, uma delas sem nenhuma janela. E nesta estava a mercadoria.
Quatro moças: três loiras e uma morena. Todas visivelmente adolescentes, desconfiadas, amedrontadas e cansadas. Ao avistarem os visitantes que adentravam na pequena sala, um dos dois cômodos que compunham a casa, uma delas, criando coragem, dirigiu-se até um dos homens que acompanhavam o Dr. Wladimir e perguntou:
Ué, cara! Cadê o serviço de luxo que você nos havia prometido? É aqui neste mato desgraçado que vamos trabalhar? Cadê as patroas ricas? Queremos uma...
Levou um tremendo tapa bem de cheio em sua face esquerda que a fez rodopiar e cair de quatro no chão. Nem teve tempo de raciocinar e sentiu um chute em suas nádegas que a fez deitar-se abruptamente no chão. Tonta, ainda recebeu um chute nas costelas que quase se partiu com o bico do sapato. Ao virar-se, acabou desmaiando com o pesado pé que lhe atingiu a boca do estômago. Nada mais viu e nem ouviu o Dr. Wladimir que dizia:
Estes aqui são os seus novos donos. Ouviram bem: donos e não patrões. Esta aqui – e apontou para a desfalecida – só não morre porque está no lote e vale uma boa quantia em dinheiro. Aliás, como todas vocês. Alguém quer perguntar mais alguma coisa?
Todas, horrorizadas com o que haviam presenciado, calaram-se, abraçando-se umas às outras. Entendiam que haviam entrado em uma enorme encrenca e que não tinha volta. Se reclamassem morreriam, apesar de ponderarem qual seria melhor prosseguir ou morrer. Optaram pela primeira, pois prosseguindo teriam alguma chance de escapar e delatar aquele horripilante negócio.
Você! – Wladimir apontava para uma das loiras - Como se chama?
Nadiara! – respondeu timidamente
Morava onde?
Em Goiânia!
Quantos anos você tem?
Dezessete!
Tire a sua blusa!
Mas...
Foi bruscamente interrompida. Um violento soco desferido por um grandalhão em suas costas, a projetou para o chão. A dor era lancinante e o fôlego curto.
Levante-se e tire esta porra de blusa, sua merda – gritou Dr. Wladimir.
A garota levantou-se vagarosamente, com dificuldades para respirar, tentando suportar a dor. Desabotoou aa primeira casa. E ia fazer o mesmo com a segunda quando recebeu a ordem para ir bem devagar. E assim continuou até retirar a blusa e ficar apenas de sutiã e saia. Seguindo as ordens emanadas do Chefão brasileiro, descalçou o sapato do pé direito e depois o do esquerdo. Retirou a saia, ficando de sutiã e calcinha. O seu corpo de adolescente era bem escultural para a sua idade. A pele era bronzeada naturalmente pelo sol goiano. Retirou o sutiã e seus seios cheios e duros ficaram empinados com as pequenas tetas apontando para frente. O êxtase dos espectadores aconteceu quando ela baixou a calcinha e as suas nádegas bem moldadas, carnudas ficaram à mostra.
Sr. Fuzio, um gordinho suado e atarantado, levantou-se esbaforido, pulou para a garota, empurrou-a até a parede, ajoelhou-se e passou a mordiscar as nádegas e a lamber o ânus da garota que tentava desesperadamente desvencilhar-se. A moça recebeu ordens peremptórias para ficar calada e quieta. Os japoneses riam da sofreguidão do colega.
Este, descendo as calças, levantou-se, pegou a moça pelos cabelos, fê-la prostrar-se de joelhos e praticar sexo oral. Ela relutou, mas uma chicotada nas nádegas a obrigou as se sujeitar ao martírio. O homem era sádico. Houve momentos que enfiou todo o seu sexo pela boca da miserável que engasgava, tinha ânsias de vômito e recebia dolorida chicotada a cada sinal de repulsa. Isso durou até que, após longos minutos, ele teve um orgasmo e jorrou seu líquido, garganta abaixo da desgraçada. Os espectadores aplaudiram a atuação do maníaco.
Com a boca toda lambuzada até queixo pelo esperma que não conseguira engolir, viu-se obrigada a atender um por um dos visitantes, que, seguindo o exemplo do primeiro, sentiram-se no direito de seres saciados pela vítima. Permaneceram sentados em suas poltronas e ela percorreu todas elas, satisfazendo a cada um até que gozassem em sua boca.
As outras três moças que a tudo assistiram e ficaram aterradas com o seu destino, foram distribuídas entre os japoneses. Cada uma atenderia um apartamento e ficaria a disposição dos três ou quatro japoneses que ali se agrupariam. E ai delas se alguma desse "chilique". Todas pagariam pelo erro de uma.
As quatro foram retiradas da sala pelos capangas de Wladimir que ficara para acabar de acertar o negócio fechado. Os japoneses aceitaram satisfeitos as "mercadorias" e pagaram em dólares americanos.
Assim é que é bom. Cada negócio é um negócio. Eu compro de vocês e vocês compram de mim. Pagamentos separados. É mais garantido e evita algum engano na contabilidade. Senhores! Foi um prazer negociar com os senhores. Amanhã cedo, às 8 horas, haverá um outro avião lhes esperando no Aeroporto e os levará diretamente para o Paraguai e de lá, em avião fretado, para o Japão. Desejo-lhes uma excelente viagem e um breve retorno.
O grupo se desfez.
QUATORZE
Foram dias de tensão extrema. Insônia, aulas difíceis, alienação total aos conteúdos ensinados, alimentação desagradável, forçada. Os pais preocupados com as mudanças verificadas em seus filhos, antes extrovertidos, agora arredios, calados, caseiros. Questionavam obtendo respostas evasivas. Observavam um interesse exagerado de seus filhos pelos noticiários policiais. Os colegas haviam desaparecido.
Naquele domingo, Mércia estava mais do que entediada. Levantara às 8hs, demorara na assepsia matinal, vestiu sua bermuda branca combinando–a com a blusa vermelha. Sentara na sala, procurou a mesa do café da manhã, nada comeu. Voltou para a sala, sentiu-se sufocada, foi para o quarto, nada a fazer e nem em que pensar. Resmungou: "Fico louca!". Voltou para a cozinha, observou sua mãe picando uma couve, achou o cheiro enjoativo. Percebeu que o pai saíra, pois as chaves do carro não estavam no lugar. O quarto do Márcio estava vazio e, como sempre, desarrumado. Sem coragem para arrumá-lo, foi para o seu quarto. Vestiu uma calça jeans índigo blue clara, e, por uma destas ironias do destino, pôs sem perceber uma camiseta com mangas curtas e escrito na altura do tórax: "Sou feliz". Calçou meias soquetes e tênis branco da Clark. Amarrou seu cabelo no estilo chamado "Rabo de Cavalo", arrumou a franja e saiu.
Subiu em direção à Praça do Araçatuba Clube. Andava cabisbaixa, de vez em quando dando algumas distraídas olhadas para os lados. Ao chegar na esquina com a Rua Carlos Gomes, levou um susto. Um Simca Tufão, cor preta, estacionou bem à sua frente, impedindo-a de atravessar a rua. Seu coração disparou e ela ficou paralisada, numa inércia de horror.
A porta do motorista abriu e de dentro do veículo apareceu o Coronel Adalberto olhando-a com muita atenção e preocupação começando a rodear o veículo. Mércia, reconhecendo-o, começou a soluçar alto. O militar apressou o passo e a envolveu em um abraço. Mércia apoiada em seu peito chorava copiosamente.
Calma garota! Calma - sussurrava Adalberto, alisando os cabelos da loira. – Tudo bem! Calma!
Ficaram assim por um bom tempo. Mércia foi se acalmando, diminuiu o choro. Agora apenas soluçava. Afastou sua cabeça do peito de Adalberto e o fitou com os olhos banhados em lágrimas.
Tudo bem? Está mais calma? Você me ouve e me entende? Quer sair comigo um pouco? Vamos dar umas voltas pela cidade? O vidro deste carro não permitirá ninguém ver você lá dentro. Vamos?
Mércia não respondeu. Voltou a encostar a cabeça contra o peito do rapaz. Ainda soluçava. Passado mais um pouco ela apenas disse: "Vamos!", numa voz sumida que veio junto a um outro suspiro.
Entraram no Simca e partiram, subindo a Rua Carlos Gomes até chegarem à Praça Getúlio Vargas, contornando-a, adentrando e percorrendo a Rua Cussy de Almeida. Na Av. Pereira Barreto dobraram à esquerda e a seguiram enveredando pela Av. Brasília, rumo ao Jardim Nova Iorque.
Chegando na represa do Córrego Machadinho, repleta de banhistas aproveitando a gostosa e ensolarada manhã de domingo, Adalberto estacionou o Simca. Até aquele momento o silêncio dentro do carro havia sido sepulcral.
Então, Mércia! Acalmou-se mais?
A resposta foi um meigo e agradecido sorriso.
Desculpe ter chegado abruptamente. Fui avisado muito em cima da hora de que você estava saindo. Detalhe: sozinha.
Sim! Eu estava entediada, nervosa e quase entrando em depressão devido à solidão que senti. Estava quase louca! Não raciocinei.
Eu a entendo! E começo a achar que Rogério tinha razão. Eu não soube avisar vocês. Eu os apavorei muito.
Não, Adalberto! Não é nada disto. Nós é que não estamos preparados para enfrentar esta situação. Somos muito covardes e individualistas. Meu irmão mesmo só sai agora com os rapazes. Sinto que ele está morrendo de medo de sair comigo.
Você há de covir ser muito natural este medo. Acredito que se ele a vir em perigo este medo desaparecerá. Mas, por enquanto...
Mas nós fizemos um treinamento nas aulas de Educação Física que deveria nos habilitar a não ter medo de nada ou de ninguém.
Que treinamento? – perguntou o militar muito curioso.
Tiro ao alvo,
É! Realmente é um bom esporte. Mas não os habilita a enfrentarem marginais do quilate deste que estão em nossa mira. Peço a você que procure sair sempre acompanhada, ok?
Ta bom! Da próxima vez serei mais ajuizada. – e deu o seu primeiro sorriso desde que o encontrara.
Por falar em sair, vamos dar uma volta pela represa? Gosto de ver estes meninos, moços, homens do povo misturados, despreocupados e com critérios sociais próprios. Eu me sinto bem distante e saudoso deste mundo. – e saíram caminhando pelas margens da represa.
Por que saudades?
Este sempre foi o meu mundo. E eu não o freqüento devido o público que atendo. Somente a elite burguesa é que tem problemas que requerem os nossos serviços. Esta gente, de um modo geral é boa. Um ou outro pinta, mas é imediatamente subjugado pela polícia local.
E você não acha que estamos nos expondo demais? Você, eu!
Quem sou eu, Mércia? Quem me conhece aqui, a não ser você.
E os cinegrafistas?
Estes não sabem quem somos, Mércia! Praticamente ninguém nos conhece como policiais. Você até diria que poderiam ter posto um microfone escondido em você, no carro, etc. Os detectores de metal esparramados em nós e em você já teriam denunciado a presença dos mesmos. Pode ficar tranqüila. Podemos passear sem nenhuma preocupação.
Detectores? Em mim? – espantou-se ela.
Sim! Aliás, você tem um belo relógio!
Mas, como conseguiram instalá-lo?
Coisas de um tal de Corte Real. Papai e mamãe devem ter participação nisto.
Meu Deus! Como sou ingênua!
Veja! Aquela família! Piquenique na represa do Machadinho! E estão muito felizes! Gosto disto! Para mim é muito nostálgico.
Bom momento para lhe perguntar: por que a Tereza Cristina e o Jonas o conhecem tão bem? Quem é ou era você na realidade?
Mércia, eu sou nascido e criado em Araçatuba. Era assíduo freqüentador do Araçatuba Clube. Participava da piscina, dos bailes de carnaval, enfim, era o meu ponto de divertimento. Além disto eu sempre assisti muitos filmes no Cine São Francisco. Estudei no Colégio Salesiano e no então chamado Ginásio do Estado, depois Instituto de Educação Manoel Bento da Cruz. Jonas foi meu colega na 7ª série Ginasial. Éramos carne e unha. Ele não saia de minha casa. Minha mãe o adorava.
O Colégio Salesiano é hoje a nossa Universidade Salesiana?
Sim! Depois passei a trabalhar no Banco da Lavoura de Minas Gerais S/A, o Banlavoura, no Setor Oeste, no prédio onde está até hoje. O Sr. Lygio foi quem me arrumou este emprego, graças à grande amizade que tinha com minha mãe. Nós morávamos frente a frente. Logicamente, Tereza Cristina entrou em minha vida de forma abrupta e preenchendo a falta de irmãos que nunca tive.
Ela simplesmente te adora!
Eu ou ela não precisava dizer nada, um ao outro. Bastava pensar e olhar um nos olhos do outro e a coisa estava compreendida. Sabe! Eu era feliz, muito feliz e não sabia.
E o que aconteceu de tão ruim assim para você ficar com esta expressão tão triste,
Minha mãe morreu! Eu fiquei sozinho no mundo.
E seu pai?
Morava em outro estado com outra mulher e tratando de uma outra filha. Logo ele morreria também, vítima de um acidente vascular. Ele era muito gordo. Eu não cheguei a vê-lo morto. Enquanto desfrutei de sua companhia ele não foi um grande pai. Foi um enorme pai, destes mais amigo do que um pai propriamente. Era um cara maravilhoso. Mas o porvir não me seria menos desagradável. Eu estava naquele Convair que caiu sobre São Paulo destruindo várias casas, matando inúmeras pessoas nas residências e não sobrando um só passageiro ou tripulante. Assim noticiaram os jornais. Eu escapara. E como, só você perguntando para Deus. Somente ele poderá lhe responder. Salvei-me todinho arrebentado, queimado, mas sobrevivi. E não precisei de nenhuma reconstituição plástica ou de metal. Como? Novamente, recomendo: pergunte para o Homem lá de cima.
E depois?
Mércia. Vamos mudar de lugar. Já nos demoramos demais por aqui. Continuemos nosso papo em outro local, tudo bem?
Claro Adalberto! Claro!
Na realidade ele não queria é que ela visse os olhos marejados pelas lágrimas. Afinal, ele era homem!
QUINZE
Este vexame em Tókio vai custar muito, mas muito caro mesmo, para o desgraçado que o causou.
Doutor, nós não sabíamos de nada! O pessoal não havia reclamado de nada.
Quero saber o porquê de ninguém me avisar sobre a caixa trocada na Alfândega?
Doutor! Ninguém sabia de que havia acontecido a tal troca.
E quem estava vigiando a caixa?
Era o pessoal do Rio de Janeiro! Tínhamos quatro homens nas imediações do depósito.
Quatro homens? Quatro homens? E a caixa que chegou em Tókio continha os livros e uma fita com desenhos do Pato Donald. Sumiu a fita original, a droga, tudo, tudo. E esta lepra de avião não anda mais rápido, não?
Calma Dr. Wladimir! São três horas e meia de vôo.
Calma uma merda, seu idiota. Estamos sendo motivo de chacotas por parte dos japoneses e de ameaças pelo não cumprimento de nossos compromissos. E ainda você vem me dizer em calma? Eu fui gozado e ameaçado. Falaram de morte, assim, na minha cara. Estabeleceram tempo para concertar a cagada. Riram, gargalharam na minha fuça contando aquela merda de desenho animado. Isto foi armado por alguém de dentro da minha organização.
Doutor! Então alguém está sabendo do nosso esquema. Precisamos tomar sérias providências para sabermos quem são estas pessoas, como souberam do embarque e o que pretendem. Inclusive, se entre nós não há nenhum alcagüete.
E por que a gracinha acha que eu estou desesperado para chegar no Rio? Acredite! Não vai ser para fazer bilú-bilú tetéia para aqueles desgraçados incompetentes. Não saio daquela maldita casa sem saber os nomes dos traidores, se houver ou dos que fizeram a troca. Estes merdas do Rio têm por obrigação já terem descoberto quem foram os engraçadinhos irresponsáveis que nos jogaram nesta enrascada.
Todos os que estavam na Alfândega são responsáveis. Acalme-se Doutor. Tome um drinque, relaxe um pouco.
Relaxar de que jeito, palhaço?
Vamos! Beba este uísque que o senhor se acalmará. Procure dormir um pouco. Na aproximação do aeroporto eu o chamarei..
O apopléctico Chefe sorveu a bebida em um só gole. Recostou-se na poltrona e caiu em um mutismo que só serviu para apavorar os demais passageiros da aeronave, todos pertencentes à sua comitiva. Pediu um outro drinque. Sorveu-o pela mesma forma. Após o quarto ou quinto copo, deixou transparecer que adormecera. Todos se sentaram e procuraram raciocinar sobre o que teria acontecido naquela malfadada Casa da Alfândega.
O irado Dr. Wladimir, na realidade, nada dormiu. Manteve os olhos fechados no afã de ouvir algum comentário mais comprometedor de um de seus asseclas, ou uma possível indicação do responsável, ou responsáveis, pelo ultraje sofrido. O pior foi ter sido chamado de "gangsterzinho brasileiro".
Ligeiros cochilos; sobressaltos; ira aumentando. Assim transcorreu a viagem para o Dr. Wladimir. Num desses cochilos foi acordado por Amadeu dizendo-lhe:
Doutor! A luz avisando que começamos o processo de aterrissagem.
A aeronave taxiou e, mal a escada foi encostada e a porta aberta, o homem e seus asseclas saíram apressadamente entrando em um Chevrolet Chevy muito conservado e equipado. Tão ansioso estava o marginal que nem apreciou as maravilhas do Rio que se descortinavam pelo trajeto. E olhe que atravessaram toda a cidade. Chegaram em uma chácara localizada nos arredores do Gastão Vidigal, toda murada, cerca eletrificada, e homens fortíssimos fazendo-lhe a guarda. Ninguém entraria ou sairia dali sem permissão dos proprietários.
Desceram do carro e adentraram na mansão-sobrado, estilo medieval, com um ar muito sinistro, mais propícia para filmes de terror. Já no salão térreo - o principal da casa - os esperavam os anfitriões, Eduardo e Marly, bem como, vários capangas, muito bem armados. Todos formavam um semicírculo e no meio, quatro homens, todos vestidos de preto.
Muito bom dia, Dr. Wladimir! – veio o casal, sorridente, amável e de mão estendida para o cumprimento.
Dr. Wladimir estendeu-lhes também a mão direita só que esta portava uma Beretta 357 que disparou duas vezes, acertando a testa, primeiro do homem e depois da mulher, caindo ambos fulminados. As metralhadoras dos viajantes impediram qualquer ação dos que estavam na casa. Um mais afoito foi sumariamente executado com duas rajadas, cada uma de uma Uzi diferente.
Alguém mais quer perguntar alguma coisa? – falou o assassino. – Creio que foram vocês quatro os que guardavam a mercadoria na Casa da Alfândega?
Sim, senhor! Éramos nós! – respondeu o mais baixinho deles. E nunca mais falou com ninguém. Recebera uma bala explosiva bem nomeio da testa, atirada por Amadeu e que literalmente estourou a cabeça do homem, fazendo-a em pequenos pedaços.
O mais magro teve destino igual. Apavorado quis se evadir. Foi seguro pelos demais, arrastado até perto de Amadeu que lhe encostou a arma na testa e disparou. Os dois restantes já estavam com os braços presos e muitos bem seguros pelos asseclas do Dr. Wladimir.
- Ponha este aqui ali na mesa. Amarrem-no muito bem. Minha conversa não será nada agradável para este filho de uma puta.
O homem foi preso à mesa por fortes cordas e grossas correntes, deitado com a barriga para cima. O sádico chefe se aproximou, desafivelou o cinto das calças, desabotoou a braguilha, desceu a cueca vermelha, calçou um par de luvas plásticas vermelhas, olhou para o aterrorizado miserável e iniciou o interrogatório.
Amigo, quem foi que mexeu nas minhas encomenda lá na Casa da Alfândega?
Senhor! Piedade! Não vimos ninguém mexendo nas mercadorias!
O carrasco pegou o pênis do homem com a mão esquerda e com a direita começou a enfiar pelo canal da uretra um grosso fio de arame farpado. A vítima urrou tão alto que um dos bandidos tampou sua boca com uma meia suja que acabara de tirar do próprio pé. O arame foi lentamente retirado do pênis.
Repetida a pergunta. Balanço tresloucado de negação com a cabeça. Novamente o arame farpado introduzido. Desta vez, bem mais profundo. O sangue jorrava do membro sexual. Movimentos retorciam o arame dentro do órgão do desgraçado. Este desmaiou!
Voltaram-se para o outro. Este já estava preso com o corpo nu na parede da sala. Seus braços e suas pernas formavam um "X". Quando argüido pelo carrasco também respondeu que somente os homens da Alfândega tiveram acesso ao recinto. Um grosso dildo, enrolado em arame farpado foi violentamente introduzido e retorcido pelo ânus do pobre coitado que urrou, movimentou-se desesperadamente, desmaiando após alguns minutos da horrível tortura.
Chefe! E se o problema estiver nos tais homens da Alfândega? E se foram eles quem nos roubou? – argumentou Amadeu, enojado daquelas barbáries cometidas por Wladimir.
E como sabiam da droga e da fita? E a fita de desenhos animados? Por que eles a mandariam?
Acho que este será o nosso objetivo. Como eles sabiam de tudo! Policiais? Alcagüete? Investigação? Ou sorte?
É! Você pode ter razão. Pessoal, matem estes dois. Procurem um forno de alta temperatura e queimem os corpos. – ouviram-se dois tiros – Levy! Você fica para reorganizar esta porra aqui. O resto vai comigo para Araçatuba.
DEZESSEIS
Você aceitaria almoçar comigo? Poderíamos ir na Cantina do Mexe-Mexe. Adoro alguns pratos especiais que ele prepara.
Ninguém sabe onde estou! Saí sem falar com ninguém.
Um telefone resolveria o problema? Ou você precisa ir pessoalmente lá?
Você se incomodaria de darmos uma passada por lá? Assim, aproveitaria e daria uma retocada na cara. Deve estar linda após a choradeira.
Posso lhe pedir um favor?
Claro!
Entre, fale com seus pais e não faça mais nada. Você não imagina o quanto você está linda com este aspecto simples e natural.
Mas... Vão rir de mim por aí!
Você vai almoçar é comigo e lhe prometo que não verás um só dente meu.
Engraçadinho!
Ao chegarem na porta da casa de Mércia, seus pais estavam no portão, olhando para todos os lados. Demonstravam claramente seu nervosismo. Soltaram gritos de alívio quando viram a filha chegar no carro.
Mércia! Onde você estava, menina? Quase nos matou de aflição! Disseram que entrara em um carro escuro que ninguém conhecia.
Mil perdões, meu pai! Foi exatamente o que aconteceu.
Bom dia Sr. Antonio! Bom dia D.Maria!
Beto? Então era você o dono do tal carro negro?
Sim senhor! O carro é da firma.
Vocês se conhecem? – espantou-se Mércia.
Claro, minha filha! Adalberto e eu já fizemos, estamos fazendo e iremos fazer, se Deus quiser, inúmeros negócios. Como vai seu tio Elói?
Tudo bem! Na firma está indo tudo muito bem. Os planos de mudança de frota foram confirmados pela Diretoria Administrativa. Eles o deverão procurar ainda esta semana.
Graças a Deus! Que ótima notícia! E você? Almoçaria conosco?
Seu Antonio! Causaria algum problema para vocês se a Mércia fosse almoçar comigo lá no Mexe? Ela está comcewçando a se estressar com a situação que lhe contei.
Você não dispensa aquele "Bife a Parmeggiana", né Seu Adalberto! Só fico sentido por também não ser convidado.
Por isso não!
Brincadeira, rapaz! De minha parte nada contra. Maria?
Por mim também não. Só assim ela sai deste jururu que se encontra.
Mércia, que assistira a todo o diálogo, ficou pasma diante da familiaridade entre seu pai e o Coronel. Impressionava-a cada vez mais os mistérios que envolviam aquele rapaz. E atendendo ao pedido do anfitrião, nem entrou na casa. Voltaram para o carro e partiram após entusiásticas despedidas entre os dois, aparentemente, antigos amigos.
A garota fez todo o trajeto sem proferir uma só palavra. Estava muito distante. Como seu pai conhecia aquele moço? Afinal, que firma era esta a que se referira seu pai? E o que Adalberto era desta firma? Ia tão distraída que nem percebia os olhares do rapaz em sua direção e ligeiros sorrisos. Estacionaram o veículo na Rua Oswaldo Cruz, atravessaram-na e adentraram no corredor que os levava ao salão principal da Cantina.
Escolheram uma mesa mais afastada e sentaram, um de frente para o outro. Mércia percorreu o ambiente quase vazio. O garçom aproximou-se com o cardápio.
Obrigado Manoel! Um Bife a Parmeggiana, um vinho tinto e duas taças.
Sim senhor! – e se afastou com ligeira reverência.
Ooi! Estou aqui! Tudo bem?
Desculpe-me, Adalberto! Quer dizer, Coronel Adalberto! É que minha cabeça está a mil por hora.
Primeiro: se tornar a me chamar de Coronel passo a chamar-lhe de senhorita. Segundo: por que a mil se há bem pouco tempo você estava leve, solta, permitindo contar-lhe as minhas besteiras?
Você é a surpresa personificada. Como você e meu pai têm tanta intimidade, se conhecem tanto.
É por causa da firma de...
Que firma é esta? O que você é nesta firma?
Eu trabalhei um tempo na Fazenda Araçatuba. Você já ouviu falar nela?
Claro! A maior gleba de terras produtivas desta região. Parece-me que fica em Mirandópolis, não?
Sim! Mas deixemos isto para lá. Senão nosso almoço transformar-se-á em uma reunião de negócios.
Ta bo.! Recomecemos do ponto em que paramos. Você contava sobre o acidente. Bom! E depois?
Tem certeza de quer mesmo saber? É uma história bem enfadonha.
Mesmo assim eu quero saber. Sinceramente! Eu agora quero saber tudo a seu respeito. Creio que tem muita coisa escondida nesta sua cabeça.
Ta! Fiquei muito tempo hospitalizado. Encaminharam-me para os Estados Unidos. Meu caso era ímpar, pois meu corpo havia se arrebentado todo, mas minha mente mantinha-se lúcida, a visão perfeita, corrigindo inclusive uma miopia crônica. Estudaram que estudaram e não encontraram uma explicação lógica, científica para meu caso. Lá eu permaneci uns dois anos. Durante este tempo, nadando em um rio próximo a New Jersey, achei uma enorme pepita de ouro. Estava tão a vista que ninguém a percebera antes.
Meu bom pai! – exclamou Mércia
E foi aí que o turbilhão começou. Com ela comprei uns poucos hectares de terra no Missouri. Pretendia mesmo ficar por lá. Mércia! Eu gostaria, se você me permitisse, pular um pedaço.
Se você pular um só item e depois eu descobrir, eu me sentirei muito ofendida. Você não cansou de me dizer que eu preciso desabafar, soltar meus bichos para fora? Acho que você está precisando disto tanto quanto eu. Vamos! Sou toda ouvidos!
Se você rir, eu me levanto. Volto a clamar pelo testemunho do Homem lá de cima. Bom...
Beto! O que de tão grave lhe aconteceu? – Mércia nem reparou com o havia chamado.
Achamos petróleo nas tais terras!
Mãe Santíssima!
Engenheiros calcularam um poço muito grande com um manancial enorme. Deixei amigos tomando conta destas terras e vim para o Brasil realizar o meu grande sonho. Adquirir as Fazendas em que meu pai trabalhara e eu havia passado minha infância.
Então você não trabalhou na Fazenda Araçatuba? Você é o dono da Fazenda Araçatuba!
Fazenda Araçatuba, Unidas Transportes Interestaduais, Linhas Aéreas Transcontinental, e outras subsidiárias.
O que é que tem estas mega-empresas todas?
São do COTEBRE!
E o que vem a ser este tal de COTEBRE?
Consórcio Teles Bretas de Empresas reunidas.
O que? – gritou Mércia
Shiiii!
Como? Você é dono disto tudo? Você é um biliardário? Um Tio Patinhas brasileiro?
Não é bem assim!
E por que o militar? Como você consegue administrá-las sendo militar e ainda por cima Comandante Geral das Forças Armadas?
Outras pessoas as administram. São pessoas certas nos lugares certos. São elas que realmente tocam os negócios. Eu só sei dos resultados.
Ta! E o militar? Para que ser militar e ainda mais inventando moda como você o fez com a FAB?
Outro sonho meu. Sempre quis ser um piloto. E como na minha família o herói sempre foi um tio militar que já faleceu, ingressei na FAB, como Oficial, e deslanchei na carreira.
É simplesmente inacreditável a sua história. O Jonas e a Tereza Cristina a conhecem?
Não! E nem quero que a conheçam, pelo menos por agora. Peço-lhe sua colaboração e o seu silêncio. Aliás, mudemos de assunto?
É difícil mudar de assunto. As perguntas são infinitas, a curiosidade imensa, mas respeito seu pedido. Pode ser só mais uma perguntinha?
Claro!
E por que eu? Por que você a contou para mim?
Eu não a contei para você. Foi para uma noivinha que se me apresentou com nove anos de idade e que me acompanha até hoje. Bonita, meiga, carinhosa, afetuosa, sábia, perspicaz, competente, amiga, amante, etc., etc.
Um sonho! Uma idealização! Você ama uma projeção infantil!
Mércia, você precisa entender que eu moldei a mulher de minha vida à sua imagem e não à sua semelhança. Eu sempre tive uma gana em conhecê-la. Eu queria saber quem era você, como você realmente era, pensava e agia. Em meus delírios pelas diversas camas de hospitais eu a amei, eu a abracei com tanta ternura, eu a beijei com tanta sofreguidão que meu espírito sentia-se realizado, completo, feliz. Eu sempre fui um solitário feliz. Isto porque você sempre esteve ao meu lado, sempre me acompanhou em minhas heróicas lutas contra o mal, e sempre me apoiava em meus deslizes. Eu sempre me prometi contar para a Mércia real o que eu fazia com a Mércia Ideal.
Meu Deus!
Desculpe-me! Desculpe-me! Eu não sou louco! Eu não sou anormal! Apenas amei demais uma mulher que era você sem ser você. Imagine o que me passou pela cabeça, como ficou o meu coração e meu espírito quando encontrei aquela fita. Não era você quem estava na fita, Mércia. Era a minha Mércia. Era a Mércia que eu amava e que me amava também. Para mim, você usurpava o corpo dela. Quase pirei! Se não é que pirei de vez e não estou sabendo.
Adalberto!
Ta bom, sei que estraguei o almoço. Perdoe-me Mércia. Mas você, na realidade sempre foi a minha vida e pela primeira vez, concretamente, converso com você. Achei que tinha o direito de saber como eu a vi em meus sonhos.
E logicamente a decepção deve ter sido imensa!
Não! Pelo contrário! Estou delirando de felicidade! Você, neste momento, na minha frente, é a real se comportando igual à idealizada. Você realmente é o que sempre imaginei qie fosse. Eu agora sei o valor da expressão "Viver um sonho!". Você simplesmente vivificou tudo o que sonhei em minha vida. E, pelo amor de Deus, não lhe estou cobrando nada, não estou lhe pedindo que me aceite, ou que mude seu comportamento quanto a mim. Tudo isto que lhe falei é um problema exclusivo meu! Tudo bem?
Você poderia me levar ao cinema hoje? Isto depois de irmos à tarde à piscina?
DEZESSETE
A ordem foi dada por rádio. O tom peremptório da comunicação não deixava dúvidas da ira dos chefes e da necessidade de se demonstrar precisão e resultados concretos. Tinham que descobrir e identificar qualquer pessoa estranha que por ventura encontrassem na cidade..
Começou então uma movimentação de carros naquele domingo que ultrapassava e muito a normalidade de um dia de descanso. Belairs cruzavam uns com outros freqüentemente; DKW Vemags e Vemaguetes aceleravam pelas ruas e avenidas como a caçar alguma coisa. Sempre ocupados por três pessoas e uma delas munida de um binóculo, que usava de vez em quando. O que não se percebia era a intensa rádio-comunicação entre os carros e a sede da Aliança.
Achem qualquer coisa. Tem gente diferente em nossa cidade. Identifique-as. – era a ordem que os ocupantes dos veículos recebiam a todo o momento. Para tanto os grupos foram divididos e patrulhavam os seus bairros de origem o que facilitava a detecção de elementos diferentes perambulando pelas ruas.
Aqui é o carro 27. Estamos na represa do Machadinho. Encontramos algo bem interessante. A loira do programa está acompanhada por um cara que eu pelo menos não conheço.
Têm como aborda-lo? Viaturas que circulam pelo Jardim Nova Iorque auxiliem o 27.
O local é público e está cheio de gente.
Aqui é o 14! Eu o conheço. É o sobrinho do dono da Fazenda Araçatuba. Tudo indica que está dando de cima da garota.
Alguém confirma esta identificação?
Aqui o carro 12. Eu o também conheço. Sei que trabalha na Fazenda Araçatuba. Só não sabia que era sobrinho do dono.
Ok, 27! Continue na cola da garota e mantenha a Central sempre informada.
Ainda no avião que conduzia Dr. Wladimir e seus asseclas de volta para Araçatuba:
Doutor, ninguém está vendo nada de anormal na cidade. Apenas alguns casos de peões armados, viajantes que logo se identificam.
Como está aquele caso do rapaz do Bairro Santana? Já prestou contas?
Sim senhor! Ele alegou dificuldades com um rapazinho consumidor, mas que já o havia despachado e arrecadado algumas coisas do mesmo que deu para cobrir a dívida.
É, ele é bem atuante. Gosto do jeito dele. Como é mesmo o nome do pirralho?
Luiz Antonio!
Precisamos aproveitar melhor o cara. É um menor com muito mais inteligência e vivacidade, que vários adultos que conheço.
Doutor, e o caso das universitárias?
Precisamos refazer tudo. Quero uma outra fita urgente. Preciso envia-la para Tókio o mais breve possível. Evidentemente temos uma outra cópia, não temos Amadeu?
Infelizmente não, Doutor!
Por que? Mas será o capeta, meu? Será que ele está se virando contra nós? O que foi desta vez?
Naquele acidente com a faísca elétrica em nossos depósitos - o Senhor se lembra? – todo o nosso arquivo foi desmagnetizado. As fitas, no cofre, foram atingidas em cheio pela descarga elétrica. Até o senhor alegou na época que ainda bem que já tínhamos enviado as cópias para os fregueses.
Merda! Providencie outra filmagem, façam nova montagem nos estúdios. Façam isto amanhã! Elas deverão estar na Praça do Clube. Monte logo cedo a parafernália toda e filmem estas putas todas.
Sim, senhor! Providenciarei com a maior urgência possível!
Possível e impossível, seu Amadeu! Chamem o Krykor para mim. Preciso falar-lhe com urgência. Quero que ele faça um trabalho melhor ainda do que fez nas primeiras filmagens e fotos. E mantenha-me informado sobre o que está acontecendo com as batidas.
Ah! A loira da fita, a tal de Mércia, parece que está de pretendente novo.
Novo? E só agora você me conta isto? Quem é o cara? Já o identificaram? Vamos! Quem é o palhaço?
É um cara lá da Fazenda Araçatuba. Parece que é funcionário ou sobrinho do dono da Fazenda.
Parece? Parece? Você ainda me fala em parece?
A dúvida é apenas se ele é o sobrinho do dono ou se apenas trabalha na fazenda.
Dúvida? Vocês ainda têm dúvidas? Um cara novo encosta em nosso melhor filé e vocês ainda têm dúvidas? Saia já da minha frente e volte daqui a dois minutos com am ficha completa deste cara, ou eu mato você pessoalmente, seu imbecil incompetente.
Sim, senhor!
Mande abordar o cara, peça documentos, fotografe a cara dele, saiba o seu tipo sangüíneo, se é macho ou se é bicha. Eu quero saber de tudo, seu idiota. Diga ao pesoal que quero receber estas informações ainda no Aeroporto, na porta do avião.
Sim, senhor!
Amadeu saiu lívido! Ele era a segunda pessoa na Organização e havia sido ameaçado e humilhado pelo Doutor na presença de outros membros menos importantes. Ele nunca deveria ser tratado daquela forma. Afinal, ele se dedicava de corpo e alma para satisfazer todas as exigências dos negócios, como neste pleno domingo. Não! O Doutor não devia trata-lo daquela maneira. Viu-se na cabine da aeronave. Pegou o rádio e após passar o recado para o fotógrafo, irado, cumpriu as determinações do chefe. Através da Central de Comunicação conectada diretamente com o avião, falou diretamente com os carros patrulhas:
Carro 27! Carro 27! Vôo 357 chamando!
Carro 27 na escuta!
Onde se encontram a loira e o rapaz?
Neste exato momento saindo da Cantina do Mexe, bem aqui em frente ao prédio da Organização.
Procedam as abordagens, identifiquem-se como policiais. Peçam os documentos deles, principalmente do rapaz, tirem discretamente uma foto dele e procurem saber realmente a sua origem. O patrão quer saber tudo sobre o mesmo, nos mais mínimos detalhes. Até a cor dos olhos dele. Levem esta informação até o aeroporto. Desceremos dentro de aproximadamente _ Quanto mesmo, Comandante? – 1h e 10min.
Sim, senhor! Carro 27 entendeu e desliga!
Um carro patrulha abordou o Simca Tufão bem na Rua Marechal Deodoro, nas proximidades da Rua Duque de Caxias, quase na porta da loja "Irmãos Bérgamo", mesmo prédio onde funcionava a Rádio Difusora de Ataçatuba. A sirene soou duas vezes, o Simca imediatamente encostou fazendo-o o mesmo a patrulha. Dois soldados desceram e se aproximaram; um terceiro se postou, mão direita no coldre, procurando proteger-se na parte traseira do carro patrulha; um quarto homem fardado permaneceu no banco de trás do veículo.
Por favor, o senhor e a senhora poderiam descer do carro. Somos da Patrulha Militar e estamos fazendo uma batida em todos os carros que estão circulando hoje pela cidade. O senhor sabe, é um serviço preventivo da Polícia Militar com o intuito da diminuir a violência.
Parabéns, este é um excelente serviço que prestam à comunidade. – respondeu Adalberto
Por gentileza, seus documentos! – pediu um dos policiais enquanto o outro solicitava
O senhor não se incomoda de se apoiar no capô do carro patrulha para que eu pudesse revistá-lo?
Absolutamente!
Então o senhor se chama Adalberto Teles Bretas?
Sim, senhor!
Trabalha com que, amigo?
Sou funcionário do Departamento de Estatística da Fazenda Araçatuba.
Mora lá?
Bem, morar lá, eu não moro. Tenho, por força do serviço de pernoitar na fazenda várias noites na semana. Eu moro mesmo é em São Caetano do Sul.
E o endereço?
Alameda Cassaqüera, 322, Vila Barcelona.
O senhor não é parente de ninguém da Fazenda? Isto serviria como referência para futuras averiguações.
Não! Infelizmente, não! Quem me dera!
Muito obrigado por nos atender, Sr, Adalberto! E se me permite uma indiscrição que deverá considerar como um elogio: linda moça a sua namorada.
Muito obrigado soldado! E bom trabalho!
Entrou no Simca, lentamente começou a colocar seus documentos na carteira, o olhar sempre fixo no retrovisor externo do carro, até que a Patrulha se locomoveu.
Mércia percebeu que algo de errado estava acontecendo. Por que não lhe pediram os documentos também? Apenas pensou e Adalberto lhe deu a resposta.
São eles! Estão vigiando você bem de perto!
Meu Deus! E agora, Adalberto?
Continuemos agindo com a maior naturalidade. Não precisa ficar apavorada. Olhe discretamente para a terceira janela do prédio da Rádio Difusora e me diga o que está vendo?
Não estou vendo nada! Está vazia! – quando voltou o olhar para Adalberto este tinha um microfone na mão e pedia:
César! Apareça naturalmente na janela e ponha apenas a ponta do rifle no canto à sua direita.
Quando Mércia voltou a olhar, um homem apareceu na janela olhando para todos os lados, espreguiçou-se e saiu novamente. Ela percebeu um fino cano preto no canto da janela.
Quando nos abordaram, três atiradores de elite já se postaram nas janelas da Rádio. Eles estavam naquele Studabaker ali encostado.
E estes policiais Adalberto?
Eles não são e nunca foram policiais. São elementos da quadrilha de traficantes. Uma patrulha verdadeira nunca abordaria este carro. Todos são informados de que este veículo está em missão investigativa. Além do mais, eu chamei de soldado a um militar que usava a farda de um Tenente. Se fossem policiais, no mínimo, teria me alertado para este detalhe. E, mais uma coisa: nunca faria um galanteio tão medíocre como o que se referia a você. Podemos achar a mulher do próximo linda, mas nunca o falaríamos ainda mais se o próximo estiver próximo e muito menos para o próprio próximo. Outro detalhe muito importante da falta de treinamento para o exercício da profissão: primeiro a chamou de Senhora e depois de namorada. Entendeu? Na realidade somente nos dirigimos ao motorista e conversamos o menos possível com o mesmo, somente o estritamente necessário. – e acionou o carro dando uma gostosa risada, no que não foi acompanhado pela garota, visivelmente nervosa.
Eu sou mesmo um imbecil! – e falando sério – Mércia, pode continuar do jeito que você vinha procedendo. Eu virei buscá-la daqui a pouco, lá pelas 15hs30min, para irmos à piscina.
Beto, eu estou com medo! – novamente o sem querer tratamento íntimo.
Claro, Mércia! Todos nós temos medo! Por isso é que nos resguardamos e tentamos nos proteger. Eles chegaram. Fizeram a abordagem por minha causa o que significa não ter diminuído o interesse deles por você. Por isso é que quero unir o útil ao agradável. Desfruto de sua companhia e você não pode me chutar ao mesmo tempo em que tento proteger você dos indivíduos. Bom para mim, não? Aliás! Adorei a abordagem policial. Ele a chamou de "minha namorada".
Bobo! Até as três e meia. E vê se não atrasa. Detesto guarda-costas que se atrasam.
Techau, gata!
DEZOITO
Atenção Central! Atenção Central! Urgente!
Fale rápido!
Onde está o 35? Eu não consigo entrar em contacto com eles!
Caro 35! Carro 35! Responda!
_:_?
Após efetuarem a terceira chamada, os operadores ligaram para o Dr. Wladimir, que havia acabado de chegar na cidade.
Doutor, um dos nossos carros sumiu.
Será o demônio endemoniado? E eu preciso ficar sabendo disto, idiota? Afinal, quanto vocês recebem para resolver estas porcarias? Fodam-se vocês! Eu não quero saber que filho da puta sumiu! Eu quero saber é o porquê, o que fizeram, o que disseram e como vocês os mataram. Só isso! Favor me ligar só para me dar estas informações, cambada de incompetentes.
Rogério? A sua encomenda chegou?
Ah, sim Adalberto! Eu a recebi e já a pus no cofre.
Perfeito!
Quero vê-la! Devo ir agora mesmo, pois à noite estarei ocupado.
Nos arredores da cidade, uma estranha e intensa movimentação.
Eram três os ocupantes do tal Carro 35 e neste momento, em uma certa chácara, estavam amarrados em cadeiras diante de cinco ou seis mascarados, fardados com roupas do Exército, sem oferecer nenhuma possibilidade para uma identificação.
"As encomendas", atordoadas, sabiam que estavam na seguinte condição: "Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come."; se dali escapassem, estariam em papos de aranhas com a chefia da organização.
Um dos supostos militares, o mais alto, aproximou-se dos homens amordaçados e falou, com uma voz muito grossa e forte:
Vocês trabalharam muito hoje. Andaram e vasculharam a cidade inteira. Procurem descansar o máximo. Estamos esperando uma pessoa especialista em conversar com pessoas da espécie de vocês. Apesar de muito nervoso é uma alma muito boa. Ele não gosta de ver as pessoas sofrerem. Mata-as logo ou as põe em liberdade conforme o serviço que prestarem. Vamos aguardá-lo. Agora são quatro horas mais ou menos. Lá pela uma da manhã é bem capaz dele chegar por aqui. Senhores, eles são todos seus.
Sim, Chefe! - respondeu um dos homens que se aproximou de um deles e lhe deu um violento tapa na face esquerda.
Calma gente! Esperem o homem chegar Se acabarem com eles o cara não vai gostar nada, nada. Ele é quem adora este tipo de serviço. Acalmem-se, por favor!
Na cidade:
Mércia! Desculpe-me! Sei que você está pronta para ir à piscina, mas se eu lhe propuser mudar os planos sem que você tenha de trocar de roupa, você se incomodaria?
Mércia já estava no portão, acompanhada pela mãe, quando Adalberto chegou. Ela vestia uma bermuda jeans, camiseta azul clara e sandálias de dedo, próprias para os banhos de piscina. Percebia-se por baixo da blusa os contornos do maiô que vestia.
E aonde eu iria nestes trajes, sem ser a piscina? O senhor pode me explicar?
Vamos a um teatro.
Teatro? Nestes trajes?
É teatro amador! A platéia é muito simples e composta por pessoas amigas cujos trajes são bastante simples. É um lugar para se descontrair.
Não sei não!
Você pode confiar em mim? Só desta vez? A apresentação da peça só foi resolvida há poucos momentos. Eu gostaria muito que você me acompanhasse e não há tempo para trocas de roupa ou produções estéticas. Confia em mim?
Olha bem, mocinho! Se eu passar um mínimo de vergonha, serei eu quem terá o prazer de matá-lo, entendeu?
Sim senhora! – disse sarcasticamente - E a senhorita poderia nos informar por onde andaria a D. Tereza Cristina?
Suponho que no Clube!
Passemos por lá! Quero que ela nos acompanhe ao teatro.
O carro partiu numa arrancada bem veloz. Pararam no Clube. Tereza estava na porta de entrada para a piscina aguardando-a, conforme haviam combinado. Intimada, ou melhor, arrastada ao invés de convidada, brigando, entrou pela porta traseira do Tufão.
Contornaram a Praça 19 de fevereiro, subiram a Carlos Gomes, seguiram a Cussy de Almeida em direção à Rodovia Marechal Rondon, por onde viajaram uns 15 quilômetros, entrando em uma estrada vicinal. Adalberto não disse uma só palavra no trajeto e nem respondeu às provocações de Tereza Cristina. Mércia começou a sentir um friozinho na barriga, adivinhando que algo muito grave iria acontecer e demonstrou isto para a amiga Tê.
Chegaram em uma propriedade toda fechada com cerca de arame farpado e com a porteira trancada. Adalberto parou o carro. De repente surgiram três homens nas laterais, saindo como do nada, todos fortemente armados e encapuzados. As meninas, assustadas, gritaram e tentaram sair do carro, no que foram contidas pelo Coronel.
Tudo bem, meninas! Jogam no nosso time!
Beto! Pra onde você está nos levando? Por favor! O que está acontecendo? – choramingou Tereza Cristina
Hei! Sou eu, o Beto! Calma garota! Duvidem de todo o mundo, menos de mim. Mércia, você acha que eu lhe faria algum mal?
As duas silenciaram. Os homens observaram os ocupantes, destrancaram o cadeado e abriram a porteira. O carro avançou até uma estrada de descida íngreme e com pedras. Chegaram em um rancho de madeira e cobertura de folhas de babaçu. Mais acima, no meio de um arvoredo, uma casa de alvenaria. Dirigiram-se para lá. Mércia e Tereza Cristina, desconfiadas daquele lugar, acompanhavam o mutismo do Coronel.
Ao adentrarem na casa a surpresa para elas: estavam lá, vestidos com fardas do Exército: um desconhecido, depois identificado como Tenente João de Souza, Renato e Rogério que com o dedo nos lábios pediu-lhes silêncio total.
Uai, Chefe! Chegou bem antes da hora que combinamos. – as meninas estranharam o tom e a altura da voz de Rogério
On-on de es- es-tão os pi-pilan-lantras? – gaguejou em voz bem alta o Coronel. Mércia e Tereza arregalaram os olhos e tiveram que tampar as respectivas bocas para não darem sonoras gargalhadas, apesar da tensão do momento.
Estão à sua espera aí no quarto. Bom divertimento.
Adalberto vestira, por cima da própria roupa, uma farda semelhante à de Rogério. Gaguejando mais do que nunca, entrou no quarto de onde saíram três outros soldados fardados, sendo eles na realidade Carlos Nascimento, Otelo e Corte Real.
Lá dentro ouviam-se palavrões, tapas, choros. Mércia ficou assustada.Tereza, apavorada. Olharam para Rogério demonstrando medo. Rogério as abraçou paternalmente e as levou para o carro de onde, mesmo assim, ainda se ouviam os tapas e os gritos. Pedindo que ficassem calmas dentro do veículo, o militar retornou para a casa.
Mércia, o que é que está acontecendo? Onde estamos?
Não sei, Te! Só sei que estou apavorada! Estão torturando gente lá dentro.
Vamos embora daqui? As chaves estão no painel do carro.
De que maneira, menina! Você está ficando louca? E aqueles homens na porteira?
De repente, tudo cessou! O silêncio era total. Apreensivas, vasculharam o terreno sem ver ninguém. Mércia arriscou sair do carro. Ia chamar Tereza para irem até a casa, quando Adalberto surgiu na porta, sorrindo, como se nada tivesse acontecido.
Venham cá, Princesas! Mas, não falem e nem façam nada. – no alpendre pediu - Tirem as sandálias e pisem levemente. – e as levou para dentro.
Entreabriu a porta e lhes mostrou os homens amarrados nas cadeiras, amordaçados e com os olhos vendados. Uma toalha cobria-lhes os órgãos genitais, já que estavam completamente nus. Via-se nitidamente o sinal do espancamento. O Coronel fechou a porta e retirou as meninas da sala. No quintal, já distante da casa, explicou:
São homens que deveriam estar lhes aprisionando de hoje para amanhã.
Coronel, e por que da tortura? – ousou perguntar Mércia.
Só estávamos querendo saber quando que efetivamente iria acontecer o seqüestro... Que vocês já foram fotografadas outra vez, isto nós já sabíamos. Como não puderam fazer nova fita, pois perderam a original mandaram fotos suas e de Cristina para Tókio.
E quando isto aconteceu? Nós estávamos atentas o tempo todo. Nunca observei ninguém com máquina fotográfica perto de mim! – exclamou Tereza Cristina
Para isto existe a teleobjetiva. Fotografa de longe e com muita perfeição.
Adalberto, você acha que agiu certo com estes homens? – perguntou-lhe Mércia
Certo, certo, eu não acho, Mércia. Apenas necessário. Mas, graças a este "tratamento" ficamos sabendo que os japoneses querem é a fita, pois não se contentaram com as fotos. Iriam rapta-las amanhã na Faculdade, obrigariam vocês a posarem da maneira que eles quisesse e... Aí a dúvida continua. Não sabemos se vocês voltariam ou se já as manteriam prisioneiras para exportação. Eles desmaiaram antes da informação.
Meu Jesus amado! Como podem existir pessoas assim, Adalberto? – horrorizou-se Mércia
Mas você ficou com dó deles, não ficou? Tenho certeza de que me responsabilizou pelas brutalidades que os coitadinhos estavam sofrendo, não foi?
Você tem que entender que não estamos acostumadas com estas coisas.
Sei! Ainda bem! Mas pensam iguais às pessoas que nos acusam de sermos sádico porque damos uns cassetes nuns pilantras que não valem a bosta que cagam, desculpem a expressão. E. pior, não se acha ninguém para nos defender. Só quando a coisa é na própria pele é que justificam uns cinco ou seis tiros num cabra destes.
Desculpe, Adalberto! Nós não os estávamos defendendo. Apenas nos assustamos, e tenha certeza, pela exclusiva falta de costume.
Ta bom! Assunto encerrado! Princesas, piscina não dá mais, mas um cineminha pegaria bem, não?
Sim Senhor! Mesmo porque já me banhei toda em meu próprio suor. Você há de convir que o dia de hoje foi muitíssimo movimentado. Só quero ver a cara da Iara quando lhe contar nossas peripécias de hoje.
Você irá ao cinema conosco, não irá Tereza?
Bem, até que eu...
Ela não gosta do tipo de filme que está passando hoje. Eu a convidaria para a lanchonete, pode ser?
Espere aí! Posso decidir o meu destino, pelo menos desta vez?
Te, vá por mim. O filme é horrível, podes crer!
E que filme está passando hoje, Mércia?
Você sabe que eu não sei?
Ta bom, já entendi!
Mércia e Tereza! Chamem os seus colegas para comparecerem à lanchonete depois do cinema. Preciso orientar todos vocês sobre amanhã, ok?
Tudo bem! Nós dividiremos a turma.
Vamos embora então!
Espere aí! E em qual lanchonete encontraremos o senhor, ou o casal? – perguntou Tereza Cristina.
Ache o Rogério que você nos achará, ou melhor, me achará. – respondeu Adalberto
Nos encontrará – corrigiu Mércia.
E onde acharei o tal de Rogério?
Bastará, onde estiver, virar a cara de lado e você, observadora que é, o encontrará. Ele é a sua sombra, sabia? E está correndo o sério risco de se apaixonar. Cuidado!
Palhaço!
DEZENOVE
Era aproximadamente 17hs45min, quando um Impala azul encostou-se ao portão da casa de Mércia. Com o ligeiro toque da buzina, ela apareceu na porta. Ligeira comoção ao estranhar o carro, mas se acalmando a seguir ao reconhecer o motorista.
A casa tinha dois pavimentos. No térreo, depósitos de peças da distribuidora de carros, dispensa da residência, lavanderia, dependências para empregados e uma área coberta, ao fundo, pela laje do andar superior; neste, a residência da família: quatro quartos sendo dois suítes, sala de estar, sala de jantar, uma espaçosa cozinha, banheiro social e, na frente, um alpendre, no cumprimento da sala de visitas; dela saia uma escada e era em seu início que neste momento estava Mércia.
Linda! Simplesmente linda! Cabelos soltos batendo-lhe nos ombros, vestido em tom cinza muito leve, deixando os ombros da moça desnudos pelo decote em meia lua, sendo a saia ligeiramente rodada, com um mimoso cinto, quase imperceptível. Calçava sandálias abertas, tiras cinzas finas e salto alto. Sua maquilagem era bem discreta, muito próxima do natural, com os lábios em tom rosa claro, o que mais se destacava.
Adalberto, que saíra do carro, abriu-lhe o portão recebendo um singelo sorriso como agradecimento. Correu para abrir a porta do carro. Novo sorriso. Deu a volta pela frente e assumiu o seu lugar ao volante.
Acredito que meu ar bestificado dispensa lhe dizer o quanto você está linda, não?
Obrigada! Bondade sua! Será que ainda conseguiremos entradas para o Cinema?
Duvido muito! E não faço muita questão de assistir a um filme hoje.
Então sugira uma alternativa!
Que tal um barzinho, uma vitrola, alguns cubas e um bom papo?
Se você conhecer uma maravilha desta, topo!
Bem, não é um barzinho, mas algo bem melhor. Se formos ao Clube dos Bancários, lá na Oswaldo Cruz, tenho a certeza de que o Perceu abrirá suas portas para nós e nos receberá muito bem.
Então vamos!
Não se precisa explicar que "haviam" antecipadamente sugerido a Perceu, Presidente do Clube, esta possibilidade e este a providenciou com a parceria dos garçons e do Maitre, Seu Agenor, antecipando suas chegadas para as 18 horas, o que não era comum. Logicamente a recompensa seria bem gorda.
No Clube, Adalberto procurou sentar-se na mesa que ficava mais ao fundo, com visão ampla do salão e da entrada deste para que tivesse total conhecimento de quem entrasse quando os freqüentadores do Clube começassem a chegar...
Mércia sentou-se, "sem querer", numa cadeira bem próxima à do Coronel, ficando os dois "coincidentemente" lado a lado. Como "premier" Wilma Bentivegna, interpretando "Hino ao Amor". Casualidade? Certamente!
Beto! Desculpe-me, Adalberto! Tudo aquilo que você me falou no almoço... Sinceramente... Eu gostaria de voltar àquele assunto, de maneira mais devagar, não num desabafo como você o fez. Eu não consegui digerir nem o almoço, nem as suas palavras.
É, eu sabia que havia estragado o seu almoço. Eu sempre fui assim: impulsivo, besta.
Não! Não! Eu disse digerir, apreciar, degustar. Eu adorei ouvir o que ouvi. E qual mulher não gostaria de ser chamada de musa?
Mesmo se esse alguém fosse... Um idiota, um parvo, por exemplo?
Claro! Nada a ver com posições sociais, mentais ou financeiras. Qual ser humano não aprecia ser lembrado e acompanhar a vida de uma outra pessoa, mesmo sendo para esta pessoa um simples paradigma imaginário?
Não sei! Nunca experimentei esta sensação! Acho que nunca fui lembrado por ninguém.
Você pode estar enganado. Igual a mim! Eu também nunca me imaginei ser musa de ninguém! E você não sabe o bem que isto me fez. Pena que não sou um milésimo daquilo que você descreveu. Mas, tenha certeza, vou procurar me moldar pelos parâmetros de sua imaginação.
Mércia, não brinque com os sentimentos mais profundos de uma pessoa. Eu sei o quanto foi ridículo meu desabafo. Como já lhe disse, peco muito pelo meu imediatismo e sinceridade. Erro muito ao dizer exatamente o que penso e o que sou, pois, vira e mexe, estou ofendendo alguém que muito prezo sem nenhuma intenção de faze-lo.
Beto, eu não me ofendi. Eu estou lhe dizendo que me senti muito lisonjeada. Toda vez que olho para você meu coração passa a bater muito mais forte. Sabe por que? Sei que moro aí, bem dentro do seu, não importa que seja uma estética, mas moro aí. E eu me sinto amada, como nunca sonhei ser.
Oi, gente! – surgiu, como do nada, Tereza Cristina
Oi! Como nos descobriu aqui? – interessou-se Mércia.
Aposto como foi o cretino do Rogério – respondeu Adalberto
E como você pode provar esta acusação, Coronel? – brincou Tereza Cristina.
Tudo bem, Tereza? E por que não foi ao cinema?
Porque a senhorita não estaria lá para adquirir nossas entradas.
Ta bom! E eu tenho que agüentar mais esta!
Coronel! Haverá mesmo a reunião? A turma está lá embaixo e doida para saber se haverá e onde será.
Diga ao pessoal para ficarem nas imediações do "Delícia" que na hora o meu pessoal os levará para o local da reunião, ok!?
Ok! E vocês, pelo aspecto, não sairão daqui tão cedo, não é? Qualquer coisa, nós poderemos procura-los aqui, pois não?
Sim e não! Sim, ficaremos por aqui; não, para não nos procurarem mais.
Então, até daqui a pouco, q u e r i d o s!
É palhaça mesmo! E o senhor Coronel! Está disposto a voltar ao nosso diálogo?
Mércia! Olhe bem o que você está fazendo. Eu... Não gosto de falar sobre o que penso, o que sinto. Eu sei que a chateei,mas...
Não terminou a frase. Mércia aproximou-se dele e lhe deu um meigo beijo na face.
Imediatamente ele se voltou e ambos ficaram de frente um pro outro. Trocaram olhares fixos, olhos nos olhos.
Mércia! Não queira me machucar mais do que você já o fez
Quando eu o magoei? - perguntou a loira com uma voz suave e um leve sorriso nos lábios.
Toda a nossa vida. Você nunca soube que eu existia. Você se lembra de uma solenidade que a Professora Marly quis fazer em homenagem à Revolução Francesa?
Lembro - me! Fizemos uma reunião na capela do Colégio das Irmãs?
Sim! O único que assumiu vestir vermelho fui eu! E sabe por que? Porque você estava ao lado da Professora e eu queria que você me notasse.
Mércia o abraçou, colou sua face na dele. Lágrimas teimavam em banhar seus olhos.
Adalberto a afastou um pouco para logo a seguir se aproximar vagarosamente, pôr suas mãos nas faces dela e roçar levemente seus lábios nos dela. Mércia cerrou os olhes e retribuiu aquele momento sublime. Afastou-se por momentos. Atirou-se novamente em seus ombros, olhos fechados e sorriso de felicidade. Adalberto a puxou e, olhos nos olhos, pensamento de um adentrando o do outro, lábios entreabertos, hálito de um cruzando com o hálito do outro... Beijaram-se e desta vez com toda a intensidade permitida pelo amor. Foi longo, compartilhado, degustado, sublime. Afastaram-se, novamente olhos nos olhos, sinceridade, amor, prazer, tudo se misturou no silêncio da felicidade.
Acomodaram-se em suas cadeiras e Mércia deixou a cabeça encostada no ombro de Adalberto enlaçada pelo braço esquerdo deste.
Eu não acredito – Adalberto foi quem disse as primeiras palavras. – Uma vida de sonhos concretizando-se. Não acredito! Estou sonhando! Ou devo ter sofrido outro acidente e estou em coma.
Quer me fazer o favor de parar de dizer besteiras! Vamos viver este momento! Ele é só nosso! Olhe: "You are my destiny", Paul Anka. Será a nossa canção. Você gosta?
Adoro! Deite no meu ombro! Feche os olhos! Deixe-me admira-la, curtir você em meu ombro. Quero ouvir sua respiração ao compasso da música, sem saber que existe mais alguma coisa além de nós dois.
E o momento perdurou: "Besame Mucho" (Connie Francis), Ave Maria dos namorados (Altemar Dutra), Love-me tender (Elvis Presley), A noite de meu bem (Maysa), Five hundred miles (Peter, Paul and Mary) e tantas outras, encantando cada vez mais as almas dos apaixonados.
Depois, sentindo-se sozinhos no salão apesar de outros pares, ora com os rostos colados, ora Mércia recostada no ombro do rapaz, dançaram ao som de Billy Vaughn, Severino Araújo, Românticos de Cuba, Simonetti, Ray Conniff, com músicas instrumentais românticas ao extremo.
De repente!
Com licença! Desculpe-me! Não gostaria de atrapalha-los
Já atrapalhou, Rogério!
Desculpe-me, querido e amado chefe, mas é que o pessoal está lá embaixo lhes esperando para certo compromisso! O senhor me desculpe, mas é algo muito necessário!
Beto! Que horas têm?
Onze horas, madame – Respondeu Rogério
Conversa, Chico! – gritou Adalberto
Então, é só olhar o relógio, magnânimo!
Beto! Incrível! Para mim ainda seriam umas oito ou nove horas.
Vamos, ao trabalho!
VINTE
O burburinho era intenso. Carros chegavam; carros saiam. Dois aviões Cessna 140 pousaram quase que simultaneamente na pista gramada. Homens entravam e saiam da casa, apressados, como se estivessem se preparando para algo muito urgente. Outros se postavam no telhado do sobrado, armados com metralhadoras, cartucheiras, revólveres, vigilantes, caras fechadas. Espalhados pela extensa área, homens, também armados, afastavam curiosos das proximidades da propriedade. Lá dentro da casa...
Como três homens desaparecem sem deixar o menor vestígio? E o carro? Quem ousaria enfrentar os meninos?
Deixe de ser burro, Sr. Amadeu! Da mesma forma que nós desaparecemos com quem não nos é agradável! Desaparecendo!
Mas quem estaria contra nós, ou contra eles, Dr.?
A polícia! Não esta policinha aqui da cidade. Tem gente de fora atuando aqui dentro. E a nossa ronda não deu em nada. Sutileza deles ou incompetência nossa?
Amadeu estranhava a calma nada comum da conversa do chefe. Colocou sua barba de molho. Sabia que algo muito sério viria pela frente. E não demorou muito.
Amadeu!
Sim senhor! – respondeu subserviente.
Chame Maisena para mim! Vá rápido e que ele venha mais rápido ainda. Quero estar só com ele.
Logo chegava o preto forte e cruel, aquele mesmo do Timboré. A gang estava toda reunida.
Maisena! Sente aqui! Tenho uma missão para você! E ela é muito importante!
Pois não, Chefe!
Amadeu! Nosso contato manifestou-se?
Apenas nos informou que haverá uma reunião com a cúpula da Polícia.
E por que esta anta ainda não nos mandou fotosd deste pessoal?
Inexperiência, chefe! Ela é meio bobinha. Se permitíssemos uma ação mais arriscada por parte dela, o risco de ser descoberta seria enorme.
E onde será a tal de reunião!
A polícia não a informou. Dizem que os encontrarão no centro da cidade e de lá os levarão para o local.
Olhe bem Maizena! Estamos perdendo o controle da situação. A incompetência de determinados membros desta nossa organização pe terrível. Tem gente interferindo demais em nossos negócios. Começou com aquela história da troca das fitas na Alfândega. Agora, o sumiço do Egberto, Célio e Rodrigo. Se eles não foram sumariamente liquidados, alguém está agora sabendo de muita coisa sobre nós. Nossos negócios, "modus operandis", nomes... E nada sabemos sobre quem é este alguém. Concorrência ou oposição?
Chefe, no meu modo de ver, é o Serviço de Inteligência da Polícia.
É o que também suspeito. E por via das dúvidas, vamos atacar mais diretamente, vamos ser mais objetivos. Se tudo começou a despencar quando houve a troca das fitas, eles estão interessados mais é em nossos negócios. Concorda?
Sim senhor!
Então o problema principal está centrado naquelas universitárias que exportaríamos para Tókio. E será através delas que descobriremos quem é o alguém e resolveremos nossos problemas de uma vez por todas.
E o que o senhor está pensando de fazer?
Eu? Nada! Você fará! Se eu estiver com a razão, a loira e a morena da fita estão muito bem vigiadas. Mas aparece uma outra moreninha que não se destacou muito, apesar de muito bonitinha. Passei a saber, para futuras exportações, que ela mora ali ao lado do Araçatuba Clube, na Rua Afonso Pena. Chama-se Iara. E eu a quero em nossas mãos. Assim teremos como barganhar com os adversários. Quero que você a busque imediatamente.
Sim senhor! E a trago para onde? Para aqui mesmo?
Não! Devem estar de olho neste lugar. Leve-a para o Casa da Mata. É elá que usamos para sumir com os inimigos. Eu também estarei por lá.
Sim senhor!
Não a moleste! Não a toquem! Guardem-na naquele armário embutido e me aguardem! Quero bater um papo com ela.
Sim senhor!
Iara se preparava para ir ao Clube. Uma camiseta branca, mangas tipo suspensório, bermuda jeans, sandália de dedo tipo "Havaianas". Na bolsa, seu maiô, pente e creme de bronzear. Ao sair observou que seus pais estavam deitados, possivelmente dormindo, o que a fez sair sem deles se despedir, o que não era muito de seu feitio. Deu mais uma olhada para o quarto, colocou seus óculos escuros, abriu a porta e saiu.
Quando se aproximava da esquina, onde ficava a quadra de tênis de um lado da rua e a sede do Clube do outro, foi abordada por um senhor de meia idade, bigodes largos, calvície acentuada na parte superior do crânio e longos cabelos atrás e nas laterais.
Senhorita! Poderia me auxiliar informando-me sobre este endereço? – estendeu-lhe um amassado papel
Pois não! – respondeu solícita.
Ao invés de um endereço, Iara leu uma mensagem:
" Não reaja, não se espante e nem diga nada! Há uma arma apontada para você! Olhe uma Kombi de carga estacionada do outro lado da rua! Normalmente, dirija-se para ela e adentre pela porta de trás. Qualquer movimento seu e será finada! Repare também no bolso de nosso amigo e você verá um volume diferente. Experimente correr ou gritar! "
Vamos? Passe o seu braço no meu braço.
Iara olhou para os lados. Não havia ninguém na rua. Era Domingo. O olhar maldoso do homem a fez se decidir. Passou o braço no dele que a prendeu firmemente. Atravessaram a rua, deram a volta pelo carro e ela foi literalmente empurrada, jogada para dentro.
Imediatamente, quatro mãos a agarraram. Seus braços foram torcidos para trás e os punhos amarrados por finas cordas no braço oposto. Recebeu um chumaço de pano dentro da boca e uma larga tira de pano cobrindo-a, amarrada na nuca. Seus pés foram presos pelos tornozelos e estes ligados aos braços. Uma tira de borracha lhe foi colocada como tapa olhos. Chumaços de algodão tamparam-lhe os ouvidos. Um pano, embebido em algo fétido, lhe foi pressionado contra seu nariz. Tentou se desvencilhar. Foi a última coisa que sentiu.
Quando percebeu alguma coisa, sentiu-se diferente. Estava em lugar escuro. Pensou no tapa olhos. Mexeu as pálpebras. Elas estavam livres. O lugar é que era muito escuro. Suas mãos estavam presas por largas tiras, à frente de seu corpo e ligados aos tornozelos. Ela se movimentou tentando sentar-se. Quando o conseguiu viu-se nua da cintura para cima e sua bermuda, aberta e descida até os joelhos. Horrorizou-se! Pensou ter sido estuprada! Concentrou-se mais, mexeu-se toda. Percebeu que não sentia dor alguma, sinal de que ninguém a tocara. Sentiu-se revoltada por ter sido vista nua, coisa que ninguém o conseguira antes. Mas, onde estaria? Tentou gritar. Ainda estava amordaçada. Tentou raciocinar!
A porta se abriu! Ela estava em um armário embutido bem pequeno! Um preto forte, careca, imenso a observava. Ela ficou simplesmente petrificada.
- Patrão! A mocinha acordou. Pode se servir!
VINTE E UM
Coronel!
Carlos Andrade se aproximou do militar, bem na porta do Clube e lhe sussurrou alguma coisa ao ouvido. Mércia percebeu que algo de muito grave estava acontecendo. Adalberto começou a ficar pálido e mordia o lábio inferior.
- Quando? – questionou o Comandante.
Provavelmente entre as 15 e 16 horas.
E que horas foi percebido?
Eram aproximadamente 19 horas. Não se conseguia nenhuma comunicação. Fizemos algumas batidas infrutíferas. Somente agora é que...
Onde estava?
Perto do Córrego Baguaçu. Assassinado! Três tiros a queima roupa, bem na têmpora.
E a moça?
Simplesmente desapareceu! E só pudemos chegar na casa dela, agora à noite, quando seus pais nos procuraram para saber notícia da filha, que havia saído para o Clube, lá não havia chegado e, para casa, não retornou.
Adalberto! – era Corte Real – interceptamos um telefonema muito interessante. Descobrimos em uma fita gravada na sexta-feira passada. Você precisa ouvi-la com urgência.
Vamos então mudar o estilo de nossa reunião. Terá de ser bem rápida. Rogério, você orientará o pessoal quanto ao procedimento deles amanhã.
Vamos contar o que aconteceu?
Só se perguntarem pela garota. Caso contrário vamos mantê-los o mais longe possível desta história sórdida.
Adalberto – falou novamente Corte Real – Você precisa ouvir a fita. E tem de ser antes da reunião.
Desembuche logo, Renato! O que tem nesta fita.
Alguém passando informações para um tal de Dr. Wladimir sobre os costumes de Iara.
Quem? Você conheceu a voz?
Eu queria ouvi-los mais tempo. Gozado que a voz é feminina e não...
Feminina? Feminina? Ou distorcida?
Se eu ouvir as meninas na reunião eu acho que reconheceria muito bem quem fala na fita.
Vamos lá então! Rogério, leve-os para o local, dispersando-os pelas redondezas.
Beto! Tudo bem? Diante de sua expressão fiquei super preocupada. Alguma coisa grave aconteceu, não?
Talvez, Mércia! Vamos para a reunião.
Era uma casa antiga, conservada, pintura antiga, com um muro de 1,50 m de altura e um único portão antiqüíssimo de ferro como entrada; um alpendre de 3 X 2 m no canto direito de quem entrasse dividia a parede com o quarto principal cuja janela com venezianas de madeira ficava na parede que complementava o alpendre. Um grande corredor descoberto acompanhava todo o lado direito da casa; dentro uma sala com uma porta de acesso a mais um quarto em sua parede esquerda, uma grande sala de jantar, com pia, um banheiro com um pequeno lavabo, uma cozinha, muito pequena, uma área diminuta ao fundo. Havia um grande quintal e no muro de trás, um enorme cômodo que serviria como Dispensa ou mesmo um depósito. Situava-se na Rua Christiano Olsen, entre as ruas Duque de Caxias e Torres Homens.
E precisava ser esta reunião justamente aqui, Sr. Adalberto? – perguntou ironicamente Tereza Cristina. Ironicamente por saber que aquela casa servira de moradia para Adalberto e sua família, e por residir praticamente em frente do local.
Os carros rodavam fazendo voltas pelos quarteirões deixando um ou dois ocupantes nas imediações da casa. Chegaram: Márcio, Jonas, Tereza Cristina, Mércia, Walter, João Gordo, Décio Mota, Moacir, Milton Ortoloni e Margarida. Todos se cumprimentavam alegres, sempre com piadinhas.
Adalberto percorreu todo o ambiente com um olhar muito perscrutador. Logo de cara ouviu Mércia perguntando:
Onde está Iara?
Todos se olharam espantados. Como não haviam dado falta da morena?
Márcio, você a viu? – questionou Mércia.
Não! Desde ontem eu estava na chácara do pai do Milton. Chegamos agora quase na boca da noite.
Alguém esteve com ela? – interferiu João Gordo
Vocês a avisaram da reunião?
Eu a avisei. – garantiu Walter.
E eu também – acrescentou Mércia.
Deve ter viajado – sugeriu Margarida.
Mas, sem avisar ninguém? Só se for luto na família e a viagem aconteceu de imediato. Mesmo assim...
Pois bem, Mércia e Tereza! Temos a certeza de que amanhã deverão ser procuradas na Universidade por algumas pessoas. Não saiam com nenhuma delas, por mais convincentes que forem. Tenha plena convicção de que são da quadrilha de seqüestradores. Supomos que eles estão agora agindo pra valer, jogando com todas as cartas, e resumindo esta história de transferi-las para Tókio.
E se nós não fôssemos às aulas amanhã, Coronel? – perguntou Tereza Cristina.
Você sabe que é uma excelente idéia? Acho bom mesmo ficarem amanhã em casa.
Mas, não havia sido combinado que deveríamos agir com a maior naturalidade? – opinião de Margarida – Os bandidos não poderão desconfiar de alguma coisa?
Simultaneamente, Corte Real levantou o polegar para o Coronel dando-lhe o sinal de positivo.
Você pode ter razão! Mas não queremos correr mais riscos. Estas meninas poderão ser raptadas num momento em que poderíamos estar impossibilitados de intervir.
Senhor! Se me permitir... – mostrou o gravador.
Você acha adequado o momento?
Sim, se me permitir sugerir. Os meninos poderão nos ajudar.
Tudo bem! Gente, vocês sabem que estamos em contínua ação. Quando suspeitamos de alguém, interferimos na linha telefônica do suspeito e podemos ouvir as conversas que efetuam. Para o telefone de cada um dos implicados neste caso há um assíduo ouvinte das conversas. E tudo autorizado pelo Ministério da Justiça. E todas as conversas são gravadas. Aquelas cujos conteúdos são privativos da família destrói-se por completo. Vocês vão ouvir uma destas fitas agora, gravada na escuta do telefone de um grande empresário desta cidade.
Corte Real ligou o gravador.
Então querida, tem alguma novidade para o titio?
Dr., a garota está sendo vigiada por pessoas da FAB. Eles estão na quadra de tênis.
Um traidor? Aqui! Entre nós? – berrou Jonas
Mais parece uma traidora! – espantou-se Tereza Cristina.
E é uma traidora! Ele a chamou de "querida" – observou estupefata Mércia.
Continuava a fita:
E são quantos, meu amor?
Como ela não estava na fita, eles colocam apenas um de cada vez.
E você conhece este pessoal?
Não todos, senhor! Os conhecidos são sempre gentis para conosco e nos atende com muita amabilidade.
Tem como você tirar algumas fotos deles?
Senhor, eu tenho muito medo de que me descubram. Seria muito estranho que uma pessoa do meu nível social e financeiro aparecesse com uma máquina fotográfica na mão.
Então, amanhã você me faça um favor? Lá pelas duas horas da tarde fique lá nas proximidades da quadra. Eu vou precisar de um servicinho rápido, mas que pode lhe valer aquela viagem aos Estados Unidos. Conto com você?
Sim senhor! Às quatorze horas estarei por lá.
Uma cadeira foi chutada e alguém pulou em direção à Mércia, agarrou-a pelo pescoço e mostrou a pistola Beretta encostada na fronte da loira.
Que ninguém se mexa ou eu estouro os miolos desta merda e depois eu me mato. – para espanto de todos, quem gritava histérica era Margarida.
Garota! Largue esta arma! Você já causou a morte de um excelente rapaz. Não faça mais bobagens. Você não tem a mínima chance de sair daqui com vida. – falou o Coronel Adalberto
Menina, você deixe de bobagem! Para que morrer tão jovem. Se você se entregar poderemos ajuda-la e seus castigo será muito menor. – ponderou Rogério.
Enquanto os oficiais discutiam com a menina, os outros retiravam os demais alunos do salão, vagarosamente e em silêncio absoluto.
Cala esta boca! Vou levar esta puta. Ela vale milhões. O Doutor é muito generoso. Ele me pagará muito bem por esta desgraçada.
Espere! Se é um caso de dinheiro... Poderemos conversar. Sou muito mais generoso do que este doutor de meia tigela.
Doutor de meia tigela é a puta da sua mãe, seu milico cachorro! O Dr. Wladimir é pessoa boníssima, carinhosa e filantrópica. Enche minha casa de comida há muito tempo. Trata dos remédios de minha avó. É o único ricaço bom que eu conheço. O resto é um bando de filhos de uma puta gananciosos, humilhadores de pessoas simples iguais a mim, soberbos, medíocres. Nós vamos acabar com esta raça de gente. E a Aliança vai mudar o mundo. E vocês, seus palhaços...
Não teve tempo para mais nada. Era uma fração de segundo apenas de que precisavam. Olhara procurando o restante da turma. Estranhara o silêncio. Dois tiros se ouviram. O buraco na testa de Margarida e, o sangue escorrendo transformou-se em um espetáculo dantesco. Instintivamente ela acionou o gatilho. Não detonou a arma. Mércia caiu desfalecida acompanhando os movimentos do corpo moribundo da moça.
Adalberto correu para amparar a sua namorada. Neste instante os alunos correram para dentro do salão. Aterrorizados viram Adalberto com Mércia inerte em seus braços e Margarida caída mais ao fundo.
Mércia! – correu Márcio desesperado para auxiliar a irmã.
Mércia! – gritou convulsivamente Tereza Cristina
Calma, garota, calma! Está tudo bem! – dirigia-se ao encontro de Tereza Cristina, deixando Mércia com o irmão, pois certificara-se de que nada lhe havia acontecido. Abraçou-a com a arma fumegante ainda na mão. – Está tudo bem! Ela não foi atingida. E agora temos a prova de quem é o traficante e sabemos onde está Iara. Calma!
Coronel! – levantou-se Márcio, depois dos sinais de recuperação de Mércia, agora atendida pelos médicos recém chegados. - O que aconteceu? Por que tudo isto? Como uma menina aparentemente dócil causa uma desgraceira desta?
Infelizmente a vida nos oferece este tipo de surpresas.
E como vocês conseguiram libertar minha irmã?
Muito a contragosto tive de atirar na Margarida aproveitando um ligeiro descuido dela.
O Senhor correu imenso risco. Poderia ter atingido minha irmã! Ou a Margarida poderia ter acionado o revólver dela.
E ela o acionou! – aproximou-se Rogério com a arma da garota, pegando-a com luvas e pela ponta do cano – Observe o cão da arma!
Meu Deus! – a arma havia realmente sido disparada. Só não detonou por ter tido o cão arrancado com o disparo da arma do Coronel.
Gente! – disse Adalberto – Vamos nos encontrar com os parentes que estão aí na porta na maior ansiedade. Rogério, você faz as honras da casa?
Deixe comigo. E você sabe que existem três ou quatro jornalistas locais e representantes dos jornais da capital aí fora, não sabe? Pode deixar que desta vez eu lhe quebrarei o galho.
Palhaço! Márcio, você avise aos demais estudantes para amanhã, não irem à Faculdade. Se tudo correr bem, amanhã mesmo estaremos com a Iara, sã e salva e os bandidos presos. Portanto não saiam de suas casas. Elas estarão cercadas por vários policiais.
Coronel! – era Mércia.
Tudo bem, Mércia?
O que você acha? Eu nunca poderia imaginar... Margarida?
Vá para casa com seus pais. Eles estão aí fora. Eu lhe procuro, depois que tudo estiver terminado. Isto é, se você ainda quiser ouvir "You are my destiny".
Claro! E... Obrigada! Pelo que o Márcio me disse você me salvou.
Nada disto! Foi um policial que lhe salvou a vida. Eu apenas torci para que este policial não tremesse de emoção ao atirar.
Bobo! – afetuosamente o abraçou - Até amanhã! E traga a Iara.
Tenha a certeza disto!
VINTE E DOIS
Iara foi pega pelos braços e, literalmente, carregada por dois homens de dentro do armário embutido até uma cadeira. Sentada, ela se viu obrigada a permanecer com a cabeça mais ou menos na altura dos joelhos, já que seus punhos estavam ligados aos tornozelos.
Ela percebia o clarão do cômodo, só não identificava ainda se era natural ou artificial. Seus olhos ainda não haviam se acostumado com a claridade. Fechou bem os olhos, protegendo-se da luz e do terror. Ouvia passos, vozes diferentes se alternando, sem identificar quantas eram. Suas costas começaram a doer devido à posição incômoda em que se encontrava.
Viu dois enormes pés calçados parados a sua frente, bem próximo a ela. Devia ser do tal preto que abrira a porta. Os pés, pelo tamanho, só poderiam pertencer a uma pessoa alta e forte. Ficou mais aterrorizada ainda. Sentia o frio desconfortante do horror. Outros dois homens se aproximaram pelos lados e começaram a desatar as fitas. Seus punhos foram liberados, mas seus braços não. Foram agarrados por mãos fortes que a obrigaram a ficar agachada, agora fora da cadeira. Puseram-lhe um capuz preto, grosso, de couro, sem os orifícios dos olhos, levantaram-na e a arrastaram para um local onde teve os punhos atados por algemas e correntes a algum poste ou parede de maneira que ficou com eles em forma de um "X".
Ela tentara evitar, mas as poucas roupas que vestia caíram-lhe aos pés sendo retiradas dali, deixando-a, em pé, e completamente nua. Não se sentia tocada, mas sabia estar sendo olhada, perscrutada, analisada e certamente motivo de desejos e zombarias próprias dos canalhas.
Olhem só! - Iara gelou – Quem diria! Ela tem um corpo fenomenal! – Tentou fechar as pernas, mas pouco antes os tornozelos haviam sido amarradas na mesma forma que as mãos – Acho que se observou a pessoa errada.
Realmente! Ela é uma teteinha! Coxas grossas, boceta pequena, bundinha cheia e empinada...
Maisena! Olhe o seu vocabulário! Seja mais clássico! Você está ruborizando a garota, tenha a certeza disto.
Nós vamos treina-la? Porque ela não vai ser dispensada da exportação, vai?
Bata algumas fotos dela. Vou envia-las com urgência para a representação brasileira dos homens. Se eles concordarem, e pagarem bem, poderemos manda-la. Tirem as fotos, mas não iniciem o treinamento. Quero-a intacta até então.
Perfeitamente, Chefe! Rapazes! Chamem a Bebel para ajeitar a cara dela que não deve estar muito agradável depois de usar esta máscara.
Iara apenas orava. Não queria ouvir o que diziam a seu respeito. Palavras como exportação, representação brasileira, Bebel, nada lhe significava, nada fazia sentido. Estava perplexa com as palavras do cara descrevendo seu corpo que era uma chama só de calor. Nem as dores dos braços espichados e o ralar das algemas lhe incomodavam mais.
Retesou-se toda ao sentir a palma de uma mão a alisar seu seio esquerdo. Tentou se debater, mas os braços e as pernas presas lhe tiravam toda a possibilidade para isso. Quis gritar ao sentir sugarem o seu seio direito. A máscara a impedia como uma mordaça. U'a mão cobriu-lhe a vagina e um dedo alcançou seu ânus.
OH, palhaço! Q que está pretendendo? – uma voz feminina bem grave.
Que é isso, Bebel? Não vou tirar pedaço dela não!
Quer assinar seu atestado de óbito, energúmeno? Você não ouviu as ordens do Patrão? Se ele souber que pelo menos você chegou perto desta coisinha, ele simplesmente te manda enterrar vivo.
Mas ele não precisa saber! Precisa?
Burro, ele sabe que ela é virgem. Esta mão sua ia acabar entrando em buraco errado. E você sabe que a primeira vez sempre é dele.
Isto não está certo! A gente também tem seus direitos!
Direito de ficar quieto em seu lugar. Agora caia fora que eu vou trabalhar a mocinha para as fotos. E não ouse tentar olhar pelo buraco da fechadura. Ela agora é só minha.
Egoísta! Puxa saco!
Iara percebeu pelo barulho de passos se afastando e o barulho da tranca da porta que agora ela estava sozinha com a mulher de fala grossa. Sentiu as mãos da mulher, que deviam ser enormes, tocar-lhe a nuca e desafivelar a máscara, retirando-a. A luz a cegou. Demorou a recobrar a visão. E quando isto aconteceu sentiu um horror maior ainda.
A tal de Bebel era uma mulher monstruosa. Alta, gorda, cara masculina, cabelos pretos e presos em um coque acima da nuca, olhos enormes e pouco repuxados, sobrancelhas grandes e grossas, masculinas se podia dizer, nariz achatado, boca com lábios grossos contornando-a. Seios grossos, chatos, apertados por um sutiã que devia ser enorme. Nádegas largas e grandes. O vestido, tecido preto com bolinhas brancas, descia-lhe até o tornozelo.
Muito bem! Vamos lhe dar um tratamento de primeira!
Por favor, minha senhora! Tenha piedade de mim! Deixe-me sair daqui!
A mulher, que molhava um pano em uma pequena bacia, parou repentinamente o que fazia e olhando enviesado e ferozmente para Iara exclamou em um tom de voz baixo:
Eu se fosse você, calava esta sua boquinha de chupar cassete de filhinho de papai.
Iara apavorou-se! Mesmo assim resolveu insistir na que pensava ser sua última chance.
Por favor, senhora! A senhora é a minha única esperança. A senhora é mulher e sabe o que estou passando! Misericórdia! Deus a recomp... Aaaaai!
Um violento tapa em sua face direita quase deslocou seu pescoço. De imediato um soco na boca de seu estômago a deixou quase inconsciente e sem fôlego.
Mandei você calar a desgraça desta sua boca. Deixe-me trabalhar em paz, filha de uma grande puta. Quem manda você ser gostosa e se oferecer para todo mundo. Agora agüenta. E prepare-se para a sua iniciação. Seus buracos serão todos abertos, preparados para transar dez vezes por dia. Palhaça!
E então, Bebel? – alguém falava enquanto abria a porta e adentrava na sala.
Tudo bem, Patrão!
Iara, pela primeira vez, vislumbrava o vulto do causador de toda a sua desgraça. Forçou mais a vista e pode ver um homem meio loiro, cabelos curtos, cara retangular, olhos negros, miúdos, sobrancelhas finas, nariz afilado, boca pequena, lábios também finos, pescoço como pomo de adão proeminente. Alto, magro e mãos ossudas. Vestia-se elegantemente com camisa de cambraia branca e calças de poliéster cinza.
Preparem as fotos. Quero manda-las amanhã bem cedo. Depois que você terminar seu serviço, coloque-a de volta no armário. Vigie para que os rapazes não me estraguem o café da manhã!
Pode deixar comigo, Patrão! Ela estará em boas mãos! O senhor sabe bem disto! – foi falando e acompanhando o homem que saia da sala.
Posso mesmo? Será que você se comportará direitinho?
Patrão! – encenou uma inexistente vergonha
Só tome cuidado com o cabacinho dela, viu? – sussurrou para a mulher, fechando a porta.
Muito bem criança! Agora nós duas!
Aproximou-se de Iara, pegou-a pela nuca e, sem a menor cerimônia, colou seus lábios nos dela. Iara sentiu repugnância, principalmente quando e mulher forçou a entrada da língua em sua boca. Cerrou os dentes. Sentiu horrível dor no pescoço apertado pelas pontas dos dedos de Bebel. Iara descerrou os dentes e a língua da outra lhe penetrou a boca levando uma saliva gosmenta para dentro dela. Foi um longo beijo, apesar da relutância de Iara.
Ainda segurando-a pelos cabelos obrigou-a a abrir mais ainda a boca e cuspiu dentro dela. Aproveitando que Iara tudo fazia para expelir a gosma, beijou-lhe novamente, desta vez mordendo-lhe a língua e os lábios.
Bebel liberou a boca e desceu lambendo e chupando o pescoço da garota.
Não! Por favor, não faça isso. Está doendo!
Isso é bom! Muito bom! – e foi descendo até mordiscar e mamar as tetas da prisioneira.
Nãããooo! Não faça isso!
Ajoelhou-se e foi lambuzando com cuspe todo o abdome daquele corpo lindo de adolescente, quis penetrar o umbigo. Passou a língua como uma cadela sobre os pelos pequenos da região sexual, e chegou à vagina.
- Por favor, eu sou virgem! Por favor, tenha misericórdia!
A mulher olhava alucinada para a moça, ora mirando seu rosto, ora a vagina. Aproximou-se e começou a chupar o clitóris, lambeu os lábios da vulva, voltou para o clitóris mamando com volúpia. Passava a língua pelas partes internas das cochas de Iara, para logo em seguida mordiscar e mamar no clitóris já inchado da adolescente, que, enojada daquilo tudo, pedia que parasse.
De repente a mulher se afastou, levantou-se, rodeou a garota, novamente ajoelhou-se, forçou com os polegares as laterais do rego anal e encostou a língua bem no ânus, lambendo-o, sugando-o, até que enfiou seu dedo no pequeno orifício. Iara gritou pela dor causada pela penetração. A homossexual retirou o dedo do orifício anal, rodeou Iara e, na sua frente, enfiou o dedo na própria boca e o sugou. Iara quase vomitou.
Querida! Você é uma verdadeira maravilha. Que coisa mais cheirosa é você. O patrão irá se deliciar com você.
Pare, por favor!
E a mulher voltou a alisar a pele suada de Iara. Fez questão de absorver com a língua o suor da garota. Pegou o rosto de Iara com as duas mãos e desenfreadamente, alucinada, tornou a encostar seus lábios nos dela soltando cuspe para dentro da boca, mordiscando-lhe os lábios, sugando os seios, até que...
Passados alguns minutos, a megera simplesmente falou:
- Meu amor! Vamos agora torna-la uma rainha para as fotos.
VINTE E TRÊS
Conforme cada um ia saindo, era entusiasticamente recebido pelos familiares, entre gritos, choros, abraços, agradecimentos ao Altíssimo, ao mesmo tempo em que eram assediados pelos poucos repórteres e suas inúmeras perguntas.
O murmurinho somente diminuiu com a saída de uma maca transportando o corpo de Margarida, envolta em um lençol. Houve até um certo constrangimento por parte de todos quando um repórter menos ético e sensível pediu que tirassem o invólucro do corpo para que pudesse fazer uma foto. Evidentemente que não foi atendido pelos policiais que carregavam a maca. O conglomerado de pessoas foi se dispersando aos poucos, até que a Rua Christiano Olsen ficou completamente vazia.
Os policiais, principalmente os oficiais, haviam saído do local, pulando o muro do fundo do quintal e saindo pela casa que dava acesso à Rua Duque de Caxias. Adentraram em uma viatura que partiu velozmente.
Eram 3 horas da madrugada. Na Delegacia de Polícia parecia tudo calmo. Parecia...
Na realidade o grupo do Serviço de Inteligência da Força Aérea Brasileira, o SIFAB, reunia-se em um dos três quartos alugados no terceiro andar do Hotel Gaspar, na Praça Nove de julho, e que ocupava toda a ala do quarteirão, de esquina a esquina, ficando os referidos quartos numa situação em que os oficiais podiam observar a Praça e, principalmente, a Delegacia de Polícia, onde sabiam trabalhar espiões da quadrilha de seqüestradores.
Em um dos quartos, a parafernália de Corte Real e sua eletrônica. Em outro quarto hospedavam-se Tenente Otelo, bem como, Tenente Renato Marzagão, com os materiais usados para cada uma de suas especialidades devidamente arrumados e separados. Em um terceiro, ficava o Capitão Rogério que, de vez em quando, recebia a companhia do Coronel, uma vez que este usava mais a casa pertencente à Fazenda Araçatuba, uma mansão na Rua Carlos Gomes.
A agitação entre os oficiais era muito grande. Cada um corria na preparação de seu material ou no desempenho de sua função, como o caso do Capitão Rogério.
O pessoal já está chegando aqui em Araçatuba? – operava um SSB, da AJ Eletrônica, o mais sofisticado equipamento de transmissão, completamente protegida contra escutas clandestinas através de um sistema de distorção de voz.
Capitão, o senhor já pode falar com a equipe. Eu os coloquei na linha de transmissão.
Obrigado! Alo, papa tango, Chile, Brasil, Paraguai!
Papa tango respondendo!
Sua localização!
Aproximação em 15 min, 30º Longitude Norte 45º Latitude Oeste, teto de 6.000 pés, velocidade de 250 km/h.
Vocês descerão em uma Fazenda. Agasalhem-se em um grande galpão que lá existe. Estaremos lá dentro aguardando-os. Feliz aterrissagem.
Ok! Câmbio e desligo!
Rogério! Aqui estão todas as propriedades da Aliança. Carlão! Observe as condições mais difíceis de aproximação entre estas localidades.
A Fazenda da Água Limpa. Cara! A morte daquele rapaz... Tomáz! Aconteceu na estrada para a Água Limpa. – comentou Renato
Isso! Esta é a sede da Aliança. O proprietário da Fazenda, segundo os documentos, é um tal de Amadeu que na Aliança é Chefe Administrativo.
Ora, um Chefe Administrativo com uma gleba de terras com 150 alqueires? - sugeriu Otelo
Eles não chamariam a atenção para este local. – pensou alto Rogério
Eis o que faremos! – decidiu Adalberto. – O esquadrão A vai se aproximar bem de madrugada pelos flancos da Fazenda. Vamos invadi-la atravessando o córrego neste ponto. Otelo, você e o Renato comandam o esquadrão. São fuzileiros de elite, exímios atiradores. Agora sim! Atira-se primeiro para depois perguntar.
Rogério! Você concentra a sua ação na sede da empresa, aqui no Edifício Araçatuba. A ordem judicial saiu em seu nome, não foi? Utilize os homens do Capitão Homem de Melo.
Sim! Está em meu nome! Quebrando tudo, né?
Apreendendo tudo, seria melhor. Agora, se algum safado se meter a besta peça-lhe desculpas depois de o cumprimentar com uma bala. O Corte Real lhe fará companhia.
Carlão! Você vem comigo. Vocês se lembram de um lugar determinado por aquela engenhoca do Corte Real, o tal de sinalizador que ele colocou naquele Chrysler?
Quando um grupo deles seguiu para a estrada de Jales? – lembrou Rogério?
Isto mesmo! Eu sobrevoei aquele lugar um dia destes e ele é totalmente coberto por um matagal fechado. Usei um "Paulistinha" de treinamento, sobrevoei o local umas três ou quatro vezes. Com muita atenção você percebe um telhado velho no meio do mato. Perto tem uma olaria e eu percebi que o local fechado pode estar ligado à olaria por uma estrada ou trilha. Não há uma outra saída para a tal fabriqueta de tijolos. E convenhamos nós: uma Olaria distante de qualquer rio – o Tietê está distante dela uns 40 quilômetros – ou córrego?
Será que é mesmo uma olaria ou forno de cremação? Vocês se lembram de que acusaram o desaparecimento de uma tal de Carolina Ferreira Mattoso, conhecida por Caroline. Nunca foi encontrada. A olaria seria uma boa explicação para o seu desaparecimento e o de tantos outros. – acrescentou Carlão.
E ela era uma prostituta. Mais um elo muito forte. Pois bem! Carlão nós vamos para lá. E eu quero um ataque total, imediato e eficaz. O mais difícil é o pequeno gramado que cerca a casa. Precisamos ser muito cuidadosos, e bastante eficientes. Se Iara estiver lá, ela não terá uma segunda chance.
Rogério! O Nelson Trivilin está vindo em uma outra aeronave com mais gente. Eu já os avisei para descerem em Andradina. Quero que ele vá até aquela fazenda visitada por um grupo da alta cúpula da Empresa, mesmo deixando os japoneses na cidade.
Onde crucificaram aquela moça? Eu não gosto nem de me lembrar do estado em que deixaram aquela menina.
Pelos laudos periciais e as fotos que vocês tiraram deu para perceber que a crucificação foi o mal menor que ela sofreu. Por isso mesmo, turma, sem vacilo. Estamos lidando com animais e não com gente. Nada de escrúpulos ou sentimentalismos na hora de embarcar alguém para o andar de cima. Atirem primeiro e depois perguntem quem era o indivíduo. Gente de bem não ficaria perto desta corja.
Coronel, e como chegaremos até a tal casa onde possivelmente estará Iara? Um pelotão certamente fará algum barulho e a qualquer sinal de nossa presença eles a liquidam. O senhor sabe que não é fácil uma tropa, carregando armamento pesado, andar pelo mato no mais completo silêncio, ainda mais que teremos de cercar a casa.
Por isso mesmo é que a nossa missão não será muito fácil. A abordagem será feita por você e por mim. Levaremos tão somente uns dois ou três soldados no máximo. Os outros entrarão depois.
E sem saber quanto são?
Perfeitamente! E ainda por cima não poderemos estar pesados. Levaremos armamento simples e eficaz. Uma faca é imprescindível, viu Sr. Otelo!
Por isso não! Aqui estão seus apetrechos. Verifiquem e critiquem!
Eram duas mochilas pequenas para serem transportadas na cintura. Cada uma continha: uma metralhadora portátil Uzi, uma pistola Taurus 938, munição em grampos pronta para inserir-se nas respectivas armas, todas com ponta oca, uma faca de caça com ponta serrilhada, uma máscara de lã preta e um par de luvas também pretas.
Pelo menos para isso você presta! Coronel! Ele quer me agredir! – brincava Carlos Andrade.
Rogério! Vamos imitar os bons filmes de suspense? Cronometragem e sincronia são as palavras chaves desta ação. Por isso não permitimos a notícia sobre a morte de Margarida. A vida de Iara está garantida enquanto garantirmos de que o tal Chefão não saiba do que está se passando e de que já sabemos de suas tramóias.
E você tem certeza mesmo de que ele ainda não sabe? Duvido!
Com licença, Coronel! – uma voz feminina
Pois... Pai do céu! O que vem a ser isso?
Que é isso, meu pai?- exclamou Rogério
Mãããe! – espantou-se Carlos Nascimento
Eu não acredito! – era a vez de Otelo
Os outros se limitaram a esbugalhar os olhos e a ficar mudos.
Acompanhados por um sargento da aeronáutica, estavam parados na porta do quarto uma mulher e dois homens.
VINTE E QUATRO
A bolinação foi natural durante o banho com sais aromáticos na banheira para hidromassagem. O que mais a incomodava eram as algemas apertadas que lhe prendiam os pulsos nas torneiras. A bucha enorme usada para espalhar e espumar o conteúdo aromático da miscelânea de produtos misturados à água lhe confortava pela maciez e por estar lhe dando a sensação gostosa de estar se livrando da baba de Bebel.
Retirada nua da banheira e permanecendo em pé, teve seu corpo enxugado por uma felpuda toalha branca, também manuseada por Bebel. Novas bolinações. Novos afagos sensuais. Insensível Iara imaginava as horas. Era dia? Era noite? Quanto tempo estivera naquelas pilastras? Onde estava? E aquela casa? Parecia velha, pelo menos pelo forro daquele cômodo! Mas, e a banheira de hidromassagem? Que estava nas mãos dos seqüestradores de mulheres, isso não precisava ser muito inteligente para percebe-lo.
De maneira brusca foi colocada em uma poltrona com braços, nos quais seus pulsos foram presos por tiras de couro preto, afiveladas tão apertadas que lhe causavam dores. O secador foi ligado. Barulhento, destes que parecem capacetes de filmes de ficção científica. Bebel sumiu de seu ângulo de visão restrito pelo aparelho de beleza. Nojenta! Como existia pessoa tão porca. Bruta, masculinizada, lembrava bem aquelas megeras dos filmes sobre a Gestapo. Só faltava-lhe o uniforme da organização nazista. Só que os filmes nunca mostraram mulheres alemãs lambendo ou praticando sexo com outras mulheres. Arrepiava-se toda de asco ao lembrar da língua de Bebel dentro der sua boca. "Meu Deus, que coisa mais horripilante, mais nojenta!". Sentiu-se cansada. Quase adormeceu com a monotonia provocada pela constância do alto som do secador.
Muito bem! Vamos agora tratar desta linda carinha de anjo. – era Bebel que riu com o sobressalto da menina.
Seu cabelo ficou muito bonito com um lindo rabo de cavalo e franja, tão em moda entre as adolescentes. Evidentemente que estoicamente suportou aos violentos puxões de seus cabelos em nome de um suposto pente estragado.
Detestou ao ter seu rosto encharcado com "Água Velva", uma loção pós a barba, masculina, mesmo a mulher comentando ser um santo remédio para os poros. E o pior era que havia observado no toucador produtos como: Revlon, Helena Rubinstein, Elizabeth Arden e Estée Lauder, Batom vermelho bem forte realçando-lhe os finos lábios; Creme C Pond's passado como amaciante, o rouge lhe deu uma coloração mais intensa à pele.
Sentiu-se uma prostituta. E das mais rameiras. Viu-se preparada para o sacrifício sexual em que ela seria imolada. Voltou-lhe o terror. Mais ainda quando viu a megera apreciando o resultado de seu trabalho com um sorriso clássico daquelas que estão se deliciando com a premeditação do imediato sofrimento alheiro.
Foi retirada da poltrona, sendo os seus pulsos algemados, um ao outro. Sentiu-se tremendamente humilhada quando a mulher lhe colocou uma coleira e a puxou pela corrente. Acompanhou-a tropegamente.
Viu-se nua, algemada, no meio de uma grande sala, circundada por vários homens, todos com os olhares cobiçosos e fixos nela. Fechou os olhos. Silêncio total, respirações ofegantes. Ouviu:
Então morreu? Filhos de uma prostituta rameira! Depois voltaremos a nos falar. Até breve! Olhe! Cuidado redobrado com a sede. Ponha vigilância dobrada. No escritório tambpem. Tchau!
Alguma coisa mais grave, patrão?
Nada grave! Apenas que o nosso contato foi bruscamente interrompido.
Qual?
Amadeu... O seu contato... O da tal de reunião... Escafedeu-se... Finada!
Precisamos então...
Querida! Você está simplesmente deslumbrante!
A voz era já sua conhecida o que a fez lembrar-se do homem meio loiro que havia lhe "visitado" quando nas estacas e que, logicamente, era o chefe de tudo.
Bebel! Escolha para ela um vestido dos mais bonitos. Transforme-a em uma lady. Quero algo bem sensual, mas eclético. Deixe as partes mimosas para serem mostradas tão somente no ensaio com ela nua. E vamos agilizar isto porque lá pelas oito eu já quero ter enviado um portador até o "representante comercial" estrangeiro.
Sim senhor! O estúdio já está pronto. As fotos dela pelada vão ser feitas agora. – e puxou Iara pela corrente para uma sala contígua.
Patrão! A menina é mesmo um pedaço de mau caminho!
Mas não vai ser comida para o seu bico. Mantenha-se na linha, negrão! Alguma notícia da cidade?
Não senhor! A estas horas a negrada está toda dormindo. Aqueles indivíduos não se movimentam nadinha à noite. Nós os vigiamos e eles entram para aquele hotel e lá passam a noite.
Você tem certeza disto?
Sim! Eu e o Amadeu já varamos várias noitadas por lá e não se vê movimento algum.
E a tal reunião? O que aconteceu? Confirmaram agora mesmo a morte de Margarida. Já sabem o que aconteceu exatamente?
Sim chefe! Ela se desesperou na hora das perguntas. Cá entre nós, ela morria de inveja da tal loira chamada Mércia. Segundo o nosso pessoal, apresentaram uma gravação dela conversando com o Amadeu e aí, ela...
Disto tudo eu já sei. Quero exatamente saber se ela deu com a língua nos dentes, se ela confessou alguma coisa importante.
Patrão! Ela não teve tempo de falar "AH!". Diz que o tiro foi dado bem no meio da testa dela.
E por que não tiraram foto deste tal de Coronel?
Não teve jeito. Os nossos homens se preparam para tirar quando ele estivesse saindo da casa. Só que eles se mandaram pelos fundos. Não deram a mínima satisfação para as famílias que estavam na porta da cassa.
A verdade é que aqueles seis elementos é que estão em nosso encalço. Ao amanhecer eu quero você lá na cidade. Pega a turma mais da pesada que você tiver. Não tenha acanhamento. Onde você os encontrar, fuzile-os, mate-os de dia, na cara de todo mundo. O resto a gente acerta depois.
É guerra, Patrão? Não interessa se outras pessoas que nada tiverem com o caso morrerem?
Eu quero resultados! Acabe com todos eles.
Enquanto isto, Iara posava para as fotos. Foram momentos constrangedores e deprimentes para ela. Foi forçada a ficar em várias posições, mostrar seus órgãos genitais expondo-os de forma bem acintosa, pornográfica. Em pé, agachada, ajoelhada, deitada, abrindo sua vulva e seu ânus, fotografada de longe e em close, com vaselina sintética simbolizando o esperma humano em volta de sua boca. Deu graças a Deus de tudo ser apenas simulação o que atendia às determinações do tal de Chefe. Apavorou-se ao lembrar-se das promessas daquele homem e do que ele lhe reservava para o futuro.
Vestiram-lhe um traje, anos 50, vestido ainda em moda na alta sociedade, premissa de status altíssimo. Era feito em tecido bem leve, todo vermelho, batendo-lhe nas canelas; o decote muito singular e modesto. As mangas chegando aos cotovelos tornavam-no mais sóbrio. Os sapatos vermelhos combinando com o vestido, com salto Luís XV, tornavam lhe os pés mais mimosos.
Pronta Iara assumiu um porte de nobreza. Passou a participar de nova sessão de fotos. Dezenas, centenas, uma infinidade delas. Sentada em uma poltrona nobre; em pé, ao lado de um consoler; perto de uma pintura de Salvador Dali; lendo um exemplar da revista "O Cruzeiro"; estirada displicentemente em um belo sofá aristocrático com veludo vermelho sangue e molduras douradas; muitas, muitas outras fotos.
Terminado o ensaio, Iara voltou, desta vez vestida para a sala cheia de homens. Lá estavam os mesmos. Espere! Faltava o negrão a quem chamavam de Maisena. Apavorou-se!
Querida! Você voltará para seus aposentos – disse o Chefe o que foi seguido por um sorriso sarcástico. – Aguarde notícias minhas. Vou providenciar com urgência uma resposta sobre seu ensaio. Mas tenha a certeza de que ele já é um sucesso.
O que você quer de mim! O que foi que lhe fiz?
Cala esta boca, sua infeliz! – berrou Bebel que já se aproximava para lhe dar uma bofetada.
Calma Bebel! A menina tem suas curiosidades! Leve-a para os aposentos dela. E cuide para que ela não queira sair de lá.
Sim senhor!
Deixe-a trajada! Quero ter eu mesmo o prazer de despi-la, mais tarde.
Iara foi literalmente arrastada e colocada dentro do pequeno armário embutido. Seus punhos foram presos por algemas e correntes a argolas fixas nas paredes laterais do acanhado móvel. Antes de se retirar Bebel não deixou passar a oportunidade. Deu-lhe tremendo soco na boca do estômago e uma bofetada no rosto.
Foi neste exato momento que ouviu a correria e um grito do Patrão. Recuou e se trancou no armário com a prisioneira.
VINTE E CINCO
Mércia! Márcio! – gritaram todos quase que uníssonos.
Tudo bem Beto!
Quer dizer...
Mércia trajava um macacão todo preto, mangas compridas, calçava luvas e botas de cano alto, também pretas, e carregava uma valise cujo volume demonstrava estar completamente ocupada; Márcio trajava uniforme igual; o acompanhante deles, pelo contrário, estava todo de branco, com uma camiseta própria para Educação Física, calça de linho 120, tênis branco.
Coronel, eles insistiram muito e até nos ameaçaram, Se fossem estranhos nós garantiríamos, mas...
Posso saber o que representa isto? – estupefato perguntou Adalberto.
Resolvemos abandonar nossa alienação e covardia, Beto.
Como? O que vocês realmente estão pretendendo?
Não tivemos tempo pára lhe contar. Aquele dia eu apenas lhe disse que estávamos treinando tiro ao alvo. Não era toda a verdade. Mas está aqui o Professor Daniel de Carvalho, nosso instrutor para explicar-lhes tudo.
Explicar o que? O que vocês tem nestas malas?
Bolsa, Coronel! Bolsa! – abrindo-as, foi explicando – Uma pistola Colt 35mm, um mini lança arpão, cordas, uma sub Uzi, e munição farta.
Coronel, se me permitir... Eles são os campeões estaduais de tiro de precisão. Ela é melhor do que ele e ambos são ótimos. E como orientação emanada das Forças Armadas, para pessoas especiais iguais a eles, ministramos com a ajuda do Tenente Mário Gonzaga noções de guerrilha e os treinamos para escaladas e movimentação nas selvas.
E onde o senhor viu estas instruções das Forças Armadas? – perguntou Carlão – Eu não as conheço.
Na verdade, elas nos foram passadas pelo próprio Brigadeiro José Trindade de Almeida, após ele assistir a um torneio de tiro ao alvo e no qual, como coreografia teatral, fizemos uma simulação de ataque noturno a uma casa ocupada por marginais. Ele gostou tanto da competência destes meninos que primeiro nos sugeriu e depois que aceitamos, determinou o treinamento.
Mas com todos estes méritos vocês não vão querer nos... – ia dizendo Rogério
Então eram vocês. O Zé comentou sobre este fato e ainda mandou-me preparar para começar a utilizar os alunos da Educação Física, especificamente deste programa que ele iria divulgar em todas as escolas do País. Para ele, esses jovens formariam no futuro a verdadeira tropa de elite da FAB.
E nós gostamos desta idéia. – comentou Márcio
Então quer dizer que se alguém houvesse se aproximado de você, Mércia, teriam se dado mal.
Não sei, Otelo! De mãos limpas eu ainda poderia reagir. Mas tenho muito medo da traição, como aconteceu com o soldado na quadra de tênis. Por isso Beto, eu gostaria muito de participar da patrulha que irá buscar a Iara. Eu devo isto a ela. Pode crer! Nós sabemos nos virar em situações de risco. Meus pais estão cientes daquilo que pretendemos, daí uma certa descontração num momento tão grave como o que passamos. Eles também confiam em nós.
Mércia! Eu tenho minhas restrições. Aliás, em vez de restrições, escute medo. Vocês nunca nos viram atuar em combate e nós nunca os vimos. Fica uma situação...
Mas eles seguem exatamente os comportamentos que vocês seguem, Coronel. Eu fui preparado na Base Aérea do Rio de Janeiro, além de participar ativamente das aulas do Tenente Mário. Eles fazem exatamente o que vocês fazem.
Bem! Não demoremos, então! Se tiver que ser, será! Mércia, não desgrude um momento sequer de mim. Márcio, você acompanhará o Carlão. – e aproximando-se deste, agarrou-o pela gola e disse – Ai de você se acontecer alguma coisa a este moço, ouviu?
Sim senhor venerável patrão!
Foram até um outro quarto, entraram e no canto esquerdo da parede do fundo e lateral esquerda, retiraram as tábuas do assoalho e desceram por uma escada de corda, anteriormente fixa em uma travessa presa no teto do andar inferior. Era a dispensa do restaurante do hotel. Foram para os fundos e no quintal, por onde saíram, um a um, e por meios diferentes ou seja: uns pularam muros, outros pelo portão da garagem do hotel, outros ainda pelos telhados das casas visinhas, fora aqueles que displicentemente se dirigiram até à Rodoviária, como se fossem embarcar em algum ônibus àquela hora.
Uns tomaram a XV de Novembro até seu término, local em que uma perua Rural Willys os aguardava; outros contornaram a Rodoviária e na Rua Aquidaban entraram em outro veículo que também entrou pela XV de Novembro indo até o seu final, fazendo o mesmo roteiro da anterior: desceram até o pontilhão da NOB, subiram a Princesa Isabel, adentraram na Marechal Deodoro por onde atingiram a Rodovia Marechal Rondon, passando evidentemente pela Vila Nova. No toal eram três carros, partindo de lugares distintos, mas com o mesmo destino inicial: o trevo da Rodovia Marechal Rondon. Dali para frente, cada veículo seguiu sua rota, um indo para Andradina, outro para a Água Limpa e o terceiro virando na estrada para Jales. Os comandantes iam nas peruas e os comandados já os esperavam nas imediações de seus alvos.
O ataque simultâneo teria de começar impreterivelmente às 5 horas da manhã. Adalberto olhou seu relógio Omega. Eram 4 horas.
O silêncio era total. O luar tênue de uma Lua encoberta por algumas nuvens, a brisa da madrugada no meio de uma mata espessa, o aroma agradabilíssimo do orvalho produto de sua química ao tocar as flores silvestres transformavam-se em antídoto contra as tensões provocadas pelas perspectivas daquelas pessoas agachadas e perscrutadoras.
Havia movimento na casa. Principalmente no andar superior. 5 horas! Todos se movimentaram cada um obedecendo a um roteiro pré-estabelecido. Os principiantes postaram-se, armas nas mãos, apoiados em um só joelho, protegidos por arbustos, ao lado de seus comandantes; dois outros, os oficiais Jefferson e Mattoso, com armas brancas empunhadas, observavam cada um dos guardas que circundavam a casa, numa vigília sonolenta, despretensiosa pela convicção de que ninguém ousaria se aproximar daquele recinto; Carlão e Márcio rodeavam a casa, procurando uma brecha para escalar as paredes até o segundo andar; Adalberto e Mércia estavam na lateral direita, pois adentrariam pela porta da frente.
Este, sorrateiramente, corcoveava pelo chão, apoiado nos cotovelos. Propositalmente, quase alcançando a área, fez um barulho com a garganta, o que despertou a atenção dos guardas. Ao se virarem, nada mais viram: agarrados pelo rosto e tendo a boca tampada pelas mãos enluvadas, tiveram as gargantas decepadas pelos punhais de Jefferson e Mattoso.
Imediatamente, os soldados e Mércia correram no encalço do Coronel que adentrara na casa. No primeiro andar, apenas um homem cochilava em um sofá. Adentrou mais profundamente no mundo dos sonhos ao receber uma pancada na cabeça.
Iniciaram a subida da escada lateral que conduziria o grupo ao segundo andar. De repente, no topo da mesma, deram de testa com um homenzinho franzino portando uma gigantesca metralhadora. Iniciou-se aí o tiroteio e a gritaria.
Tem gente! – berrou o homem antes de receber o tiro bem no peito e cair. A metralhadora ainda disparou para o teto.
O Comandante já estava, em um "vôo rasante", dentro da sala atirando para todos os lados munido que estava de duas pistolas. Bastava vislumbrar um vulto e o gatilho era acionado. Mércia, no portal, atirava mais compassadamente, aproveitando que os gangsteres se preocupavam com o atirador de dentro da sala. Jefferson adentrou também no interior do cômodo; os bandidos refeitos dos sustos e se protegendo por detrás de móveis, caixotes, placas, começaram a revidar e um deles conseguiu acertar Jefferson que se estatelou de boca no chão, morto. Mattoso retrocedeu e Mércia pulou para o interior, protegendo-se no corpo de Jefferson. Atingiu de cheio a cabeça de um nissei tendo a bala Dundum explodido a sua cabeça. A moça rolou para detrás de uma escrivaninha, protegendo-se, e que ficava a aproximadamente um metro do armário embutido.
O Coronel viu três homens escapando por uma porta lateral; o poder de fogo do inimigo diminuíra; Mattoso finalmente adentrou no recinto e com sua metralhadora dizimou os quatro restantes. Adalberto saiu no encalço dos fugitivos.
Dentro do armário a cena era terrível: Bebel ouviu e assistiu pelas frestas da porta do armário ao intenso tiroteio. Ao mesmo tempo em que via seus companheiros tombarem mortos, ela se munia de um facão e de um revólver calibre 44 deixado em um pequeno suporte do armário. Voltou-se para Iara, que aterrorizada, sem saber o que realmente estava acontecendo, apenas ouvia a balbúrdia dos tiros e gritos fora do armário, mas sempre observando as atitudes de Bebel. Pressentiu para si um fim trágico. Tentou se desvencilhar das algemas. Mas como? E Bebel se aproximando.
Com suas fortes mãos arrancou de um só golpe o vestido de Iara, enfiou-lhe um pedaço boca adentro, desferiu-lhe um violento tapa na face esquerda, e, com chutes, fez os sapatos da menina voarem longe. Pegou-lhe, com a mão esquerda, seu seio esquerdo, apertou-o, e aproximou a lâmina do facão. Iara debatia-se. A mulher pressionava a lâmina. Iara via seu próprio terror estampado nos olhos esbugalhados da sádica. Doía muito a lâmina penetrando. De repente...
Bebel sentiu uma fisgada nas costas. Iara percebeu uma piscada mais violenta nos olhos da mulher. Bebel quis gritar, mas não o conseguiu. Da boca da mulher a prisioneira viu dois filetes de sangue descendo pelos cantos dos lábios. Bebel cambaleou. Iara sentiu afrouxar a pressão do facão e da mão da mulher. Bebel, voltando-se lentamente, vislumbrou, na porta do armário, o vulto de alguém loiro, vestido de preto, braço estendido e uma arma na mão. Iara imediatamente reconheceu Mércia o que a fez chorar copiosamente. Bebel tentou ainda avançar para o vulto. Iara, entre lágrimas, viu a cabeça de Bebel despedaçar-se ao receber o segundo tiro desferido por Mércia.
Bebel desabou. Iara sentiu o cansaço e pendurou-se nos próprios braços. Mércia correu para ampará-la.
- Chegamos! Demoramos, mas chegamos! Pobre amiga! O que você deve ter sofrido! – e, chorando baixinho, ao mesmo tempo em que a amparava, procurava estancar o filete de sangue que escorria do corte no seio.
VINTE E SEIS
Vamos logo, gente! - gritava Dr. Wladimir
Será que o avião estará preparado? – falava Amadeu enquanto corria
Só se o desgraçado do Fernandes não cumpriu o que eu mandei. Eu sempre disse que ele seria a nossa salvação no caso de um ataque na casa.
Ainda bem que voltei. Se tivesse descido até o pátio teria dado de testa com estes desgraçados. E certamente estaria morto como aqueles outros dois.
Calem estas malditas bocas e corram, seus incompetentes.
Corriam desenfreadamente, pulando troncos de árvores caídos pela trilha, desviavam das pedras com muita agilidade, principalmente Maisena com seu corpo grande e largo. Amadeu acompanhava, com a camisa aberta, Dr. Wladimir, permanecendo na frente de Maisena.
Adalberto encontrara na saída Carlão e Márcio. Após avisa-los da fuga pediu que os mesmos se juntassem a ele. Correram na direção da Olaria, única possibilidade de fuga, na perspectiva do Comandante. Mattoso ficara na casa, dando assistência para Mércia e Iara e sondando a possibilidade de algum sobrevivente.
Mércia achou as chaves das algemas em um dos bolsos da megera morta. Abriu-as, primeiro as dos pés e depois as dos pulsos, segurando o corpo quase desfalecido de Iara. Carregou-a para um canto do armário, sentou-a cuidadosamente escorada na parede e pôs-se ao se lado. Iara escondeu o rosto no pescoço de Mércia e liberou suas angústias, seus temores, sua raiva, em um choro convulsivo, repetindo inúmeras vezes o nome de Mércia. Após algum tempo sentadas, inertes, Mércia levantou-se, foi até a sala do tiroteio, tirou a calça de um morto e a camisa de um outro, trouxe e cobriu a nudez de Iara.
Ao chegar à Olaria, Dr. Wladimir dirigiu-se para um galpão. Ao abrir as grandes portas, deu um berro:
Desgraça! Merda! Logo esta miséria? Tinha que ser esta desgraça?
O que aconteceu Doutor? – chegou esbaforido Amadeu
Qual a desgraça Doutor? – inquiriu Maisena
Um filho de uma puta qualquer deixou para nós o "Paulistinha". Esta desgraça sé serve para passeio ou jogar alguém lá de cima.
Doutor! Vamos assim mesmo, porra! Não se tem tempo para reclamações! – falou alto Amadeu.
Palhaço! Só cabem dois! Você não está vendo, seu imbecil!
Um de nós senta no colo do... Aaaahhhh!
Resolvido o problema, Doutor! – diz Maisena, ainda com a faca enterrada na parte lombar de Amadeu.
Vamos logo, então! Largue isso por aí mesmo,
Maisena entrou e sentou-se no banco traseiro enquanto o Doutor assumia o manche do pequeno avião. O motor foi acionado. Negou a primeira partida. Novamente acionado o motor a hélice girou após uma engasgada do motor e um arranque.
Os militares ouviram o ronco do motor. Passaram a correr mais e mais, Carlão tropeçou e quase caiu, Márcio só tinha olhos para a trilha, acompanhando a disparada do Coronel. Avistaram as chaminés. Logo depois chegaram no pátio.
Mércia! O que fizeram comigo? Por que tudo isso? – soluçava Iara, agarrada a Mércia.
Calma Iara! Acabou! Está tudo terminado!
Esta bruxa! Ela era doente, Mércia! O que ela fez comigo, Mércia, não existe, é inconcebível.
Iara! Olhe bem! O que se passou nesta casa, antes de nossa chegada, não é da conta de ninguém! Está entendendo? Você nunca contará nada a nenhuma pessoa. Nem a mim. Você passou, você sofreu, e ninguém precisa saber como foi. Os detalhistas... Mande-os a merda! Os que a tudo assistiram estão mortos. Ninguém, além de mim, a viu nua. Preste bem a atenção! Os que a viram, estão liquidados.
Iara recostou sua cabeça novamente no ombro de Mércia, ali permanecendo, ora soluçando alto, ora chorando desbragadamente.
A aeronave esquentava o motor no início da improvisada pista de grama. Ela correria para o lado oposto ao que estavam os perseguidores. O Coronel correu para alcança-la. Neste momento o aviãozinho começou a deslizar pela pista e a ganhar velocidade.
Carlão disparou a metralhadora. Adalberto atirava com as pistolas. Dentro da aeronave Maisena deu um grito:
Doutor! Socorro! Fui atingido!
O piloto tentou achar mais potência no motor. Sentiu-o falhar. Da asa derramava gasolina. O Doutor puxou o manche. O avião levantou o nariz e começou a ganhar altura. Uma fumaça cinzenta saindo por baixo do motor acompanhava a trajetória do avião. Não conseguiu altura suficiente para sair dos arvoredos. A pequena aeronave entrou pelo mato, e, por ser leve, não foi muito dentro, ficando presa nas árvores, toda destroçada.
Adalberto, Carlão e Márcio se aproximaram com a intenção de retirar os feridos e algemá-los. Foi quando Márcio gritou:
Vejam! A fumaça aumentou!
Meu Deus! O avião vai pegar fogo – disse Carlão
Vamos lá, gente! – comandou Adalberto.
Foram impedidos pelo enorme clarão que se seguiu. O fogo surgiu com suas labaredas no meio de uma explosão do tanque de gasolina em uma das asas e logo tomou conta do corpo da aeronave.
Adalberto ainda se aproximou pelo outro lado e viu o Dr. e Maisena tentando se libertar do cinto de segurança e da lataria que os aprisionava ao avião. Ele tentou abrir a porta, mas esta estava emperrada, retorcida. O fogo entrou na cabine. Os homens gritavam desesperados. As labaredas cresciam e os homens se debatiam, lutavam para se libertar. Gritos horríveis ecoavam do avião. O Coronel, diante da ineficácia de qualquer tentativa de tirar os pobres diabos daquele inferno, desceu da árvore e assistiu desanimado o avião consumir-se e transformar-se em um monte de cinzas.
- Que morte horrível! – ponderou Márcio
Nada pior das que eles praticaram com várias pessoas, inclusive o Tomáz, a Carolina, a Margarida, e tantos outros. – retrucou Adalberto.
Ali permaneceram até o pequeno veículo transformar-se em um monte de cinzas no meio do mato. Todos impassíveis, meditando sobre a vida e a morte, principalmente, as estúpidas e trágicas como aquelas. Pensaram que naquele momento aqueles homens deveriam estar se explicando sobre seus atos e conseqüentemente expulsos da presença de Deus e entregues à Satanás, que os recebia de braços abertos e garras afiadas.
E como estará Iara? – lembrou Carlão.
Espero que a Mércia e o Mattoso a tenham encontrado. – desejou Adalberto. E acrescentou – Vamos dar uma inspecionada neste local.
Inspecionaram vários cômodos da fábrica de tijolos. Nos depósitos nenhum tijolo sequer. Na sala destinada às ferramentas umas duas enxadas e um enxadão. Nenhuma pá. A garagem completamente vazia. Em apenas um forno encontraram cinzas. No pátio nada de barro ou carrinho transportador do mesmo.
Carlão! Cada vez estou mais convicto de que isto aqui nunca foi uma olaria. Quero uma inspeção mais profunda e uma análise laboratorial daquelas cinzas que estão no forno. Vocês vão ver como se trata de cinzas de um corpo humano.
Adalberto! Não é hora de sabermos como foram os outros? Será que obtiveram sucesso? – questionou Carlão
Você está com o rádio?
Sim, eu o peguei com Jefferson, ou melhor, retirei de seu corpo.
Tente! Verifique se o Rolando está livre e com o canal do rádio aberto.
Lá no meio da pista é melhor. Vou para lá.
Tudo bem!
Adalberto! E a Iara? O que você acha? Eu não a vi em parte alguma da casa.
Rezemos para que ela esteja bem. Olhe! O Mattoso.
Olá pessoal! As boas ou as más primeiro?
O que lhe for mais difícil de contar! – respondeu Adalberto
Jefferson morreu! Recebeu seguramente uns oito tiros!
E as boas? – pergunta ansiosa de Márcio.
Iara está bem.
Graças a Deus! – gritaram os dois
Machucada, mas está bem!
Coisa grave?
Mais psicológico do que físico. Por isso, eu acho que pode ser grave.
Coronel! O Rogério!
Fala, mano!
Sucesso total, meu !
Em todas as frentes? Aconteceram baixas?
Em todas as frentes. Tivemos duas baixas: uma aqui em Araçatuba e outra no Timboré. O daqui caiu em uma armadilha na mesa do tal Chefe e o de lá com um tiro de fuzil disparado da mata, revidado e vingado.
Aqui também tivemos uma baixa. Jefferson morreu na troca de tiros. Salvamos Iara. O tal de Dr. Wladimir morreu carbonizado no próprio avião que se chocou com as árvores que circundam a tal de Olaria. Rogério! De olaria não tem nada!
A Cavalaria deve estar chegando por ai. Quando Carlão me acionou eu já despachei paramédicos, laboratoristas, bombeiros de resgate, etc., etc.
Tudo bem! Estaremos aguardando na casa. Câmbio e desligo. Mattoso, você fique por aqui e muita atenção com aquele forno. Acredito que as cinzas que lá se encontram sejam de um ser humano. Assim que chegarem, mandarei os laboratoristas para cá. Gente! Vamos para a casa?
VINTE E SETE
Deixe-a conosco! – falou um dos paramédicos.
Mércia! Por favor, não me deixe! Pelo amor de Deus! Não saia de perto de mim! – gritava Iara, agarrando-se no pescoço da loira.
Calma Iara! Eu estarei sempre aqui. Calma! Calma! – tranqüilizava-a alisando-lhe os cabelos colados em sua face, escondendo as lágrimas que teimavam em escorrer de seus olhos.
Os paramédicos aplicaram-lhe um sedativo injetável, Logo ela começou a ceder, ficando sonolenta, sonolenta, até que adormeceu. Mércia levantou-se e assistiu a troca daquelas roupas enormes e sujas por um pijama branco. Viu colocarem-na em uma maca e a acompanhou até a ambulância. Neste instante chegavam Adalberto, Márcio e Carlão. Marcio estava pálido e angustiado.
Como está ela, mana? Nada de grave, não?
Fisicamente não! Psicologicamente, não sei! Deve ter passado momentos terríveis! Está aterrorizada!
Mércia! Será que chegaram a...
Não, Márcio! Mas eu acho que foi pior! Havia uma megera, destas de filme de terror ou de Gestapo... Cheguei bem na hora em que iria cortar-lhe o seio direito com um enorme facão!
Meu Deus! E onde está esta desgraça?
Acho que conversando com o Diabo, se é que este a aceitou no Inferno!
E foi você quem a enviou para o Satanás?
Oi, Beto! Que bom te ver! – e correu para os braços do Coronel, recebendo um aconchegante abraço e um reconfortante beijo singelo na testa.
Você não me respondeu! Foi você quem a enviou para o Satanás?
Uhn! Uhn! Foi necessário!
Credo em cruz! Foi você quem fez aquele estrago todo na gordona? – era Carlão que se aproximava do grupo após verificação no interior da casa.
Ta feio, Carlão?
Não tinha jeito para piorar a cara da megera pelo que restou de sua cabeça. Coronel! Oito marginais eliminados na sala, uma no armário, três na cozinha, e nós juramos – não é mesmo Márcio - que não sabemos quem fomos que os eliminou, dois no pátio, três na Olaria. Total: 16 maus elementos que saíram de circulação.
Foi pouco! Ainda não compensou a morte de Jefferson. – ponderou Adalberto.
Pessoal! – avisou Mattoso, que acabara de chegar – Vamos dar no pé que o batalhão da imprensa está chegando. Há um helicóptero nos esperando na Olaria.
Todos se retiraram, deixando a limpeza para os especialistas no assunto. Para dar satisfações à imprensa foi designado o Tenente Claudionor, que comandava a perícia do local. Deveria contar o milagre sem declarar o santo, ou santos.
Ao chegarem em casa Mércia e Márcio foram recebidos com afetuosos abraços por parte dos pais. Nunca haviam deles escondido os seus treinamentos e a vontade imensa de participarem da FAB, principalmente depois de todas as reformas que sofrera. Estavam fazendo Universidade apenas com a finalidade de adquirir um diploma, uma qualificação mais adequada para seus objetivos: serem militares.
Imediatamente Mércia ligou para a Casa de Saúde Santa Teresinha, para saber notícias de Iara. Pediu para falar com os Drs. Raposo e Barbosa. Conversou um longo tempo. Perguntou várias vezes, silenciou outras tantas. Por fim, desligou o telefone. Ficou pensativa.
Quer matar os outros de curiosidade? Desembuche logo! O que falaram? Como está Iara? Alguma coisa irreparável? O que...
Oooooh! Calma! "Degavar"! O santo é de barro!
Minha filha!
Ta bom, pai! Ela está bem! Nada irreparável, seu trouxa! Sua namoradinha só precisa de um bom apoio moral!
Oh, pai! Olhe ela me azucrinando! Depois que lhe der uma cacetada, vocês reclamam.
Ai que medo! Graças a Deus ela está muito bem fisicamente. Nenhuma violação, nenhuma cicatriz. A do seio desaparecerá logo, logo!
Graças a Deus! – falou Márcio – E isto também se deva a você, maninha! Como eu me orgulho de você!
Nada fiz, seu bobo! Se fiz alguma coisa, não foi nada mais do que você fez. Aliás, parabéns pela sua primeira batalha real!
E para você também – e se abraçaram ternamente.
Passaram boa parte do dia narrando suas aventuras para os pais. Quando souberam que Iara havia acordado, tomaram emprestado o carro do pai e foram até o hospital. Na entrada, todos os amigos estavam lá: Tereza Cristina, Décio, João Gordo, Walter, enfim todos eles. Foi um congraçamento intenso. Abraços e parabéns em profusão. Comentários alegres, piadinhas, alegria total.
Entraram pela porta principal do nosocômio, dirigiram-se para a porta com molas, subiram a escada e chegaram no apartamento nº 12. Sorrateiramente abriram a porta. Lá estava ela. Deitada, coberta por alvos lençóis, braços desleixados prolongando-se pelo corpo, cabelos escorridos até os ombros, uma camisola branca até o pescoço. Parecia adormecida. Estavam em sua companhia seu pai Sr. Francisco e sua mãe D. Conceição, dois portugueses simples, sociais, alegres e muito amigos dos amigos de Iara.
Ao verem os irmãos, levantaram com um enorme sorriso nos lábios, e os abraçaram na entrada do quarto. Ambos, agora choravam, agradecidos pela salvação da filha. Quando Márcio afastou-se de Sr. Francisco, percebeu Iara acordada e um lindo e meigo sorriso no rosto. Não resistiu. Aproximou-se da cama, sentou-se e abraçou com muita ternura a menina. Esta também o agarrou com força. E assim ficaram por vários minutos, instante em que suas lágrimas se misturavam, lágrimas de alegria, de amor, de consentimento, de pura felicidade.
Eih! Posso abraçar a dodoizinha também? – perguntou Mércia.
Claro, Maninha, você pode! Você tem todo o direito.
E as duas amigas trocaram um caloroso e emocionado abraço acompanhado de vários "Muito obrigado" por parte de Iara.
Mércia! Onde está o seu Beto? – perguntou Iara, já com Márcio sentado ao lado dela com as mãos entrelaçadas nas dela.
Espera ai! Beto de quem? – perguntou Márcio, simulando uma estupefação.
Só mesmo um néscio para não perceber que aqueles dois se amam. Duvido e o dó que esta ai não carregue um trem cheio de... Digamos esterco... Por causa do tal de Coronel.
Querida! Não fique alimentando sonhos para os outros. Eu e o Coronel Adalberto somos apenas bons amigos, nada mais! Bons amigos!
Ta bom, Mércia! Vou dizer que... Que acredito! Maninha! O que aconteceu com aquelas pes... Aqueles maníacos?
Graças a Deus, todos... Do que mesmo que você me chamou, Iara?
Desculpe-me, Mércia! Posso lhe chamar de maninha? No meu coração é isto que você é para mim.
Claro... Maninha! – Mércia enxugou as lágrimas que brotaram de seus verdes olhos. Era muito terno o momento. Márcio afastou-se para que as duas pudessem conversar melhor.
O que aconteceu com todos eles? – insistiu Iara
Para te deixar bem segura, maninha, ninguém que lhe viu nua, ou tocou-a está vivo para contar a história. Pode ficar tranqüila. Não sobrou "niente". Ninguém sabe, além de você, como é o seu corpinho, nem o que lhe fizeram por lá. O Dr. Raposo e o Dr. Barbosa já atestaram a sua virgindade. Eles não tiveram tempo para usá-la.
Obrigada, maninha! Como é bom ouvir isto de você. É por isso que nos entendemos tão bem. Os outros ficam com rodeios. Você não! É direta! Diz logo o que se quer ouvir.
Você precisa disto, não é maninha?
Mércia! Ajude-me! Eu vou precisar muito de você. Será muito difícil superar tudo o que passei. Só mesmo com a ajuda de uma amiga como você terei chances para voltar ao meu normal. Você me ajuda, não ajuda?
Claro! É evidente! Maninha, nós vamos estabelecer uma coisa. Nunca esconderemos, uma da outra, o que estivermos sentindo, seja este sentimento bom ou ruim. Temos que ser bastante francas para que possamos nos ajudar. Eu estarei sempre pronta para dialogar com você, seja a hora que for, na situação que estiver. Tudo bem?
É por isso que lhe adoro! E o Beto? Como vocês estão?
Não nos vimos depois do ataque. Viemos para a cidade e cada um foi para o seu canto. Acredito que ele logo deverá reaparecer. Acredito que ele virá visitá-la! Bom, pelo menos espero!
E a Universidade? Você irá continuar, não vai?
Claro! Nós iremos continuar. Afinal, último ano... Olha, vamos levantar logo desta cama, mocinha. Precisamos voltar à nossa vidinha normal. Você terá apenas dois ou três dias de mamata. Depois venho e arranco você desta mordomia, ta bom!
Ta bom, Chefe!
Chefe não! Maninha mais velha!
Ambas se despediram rindo aos cântaros.
VINTE E OITO
Três meses. Longos, tristes para uns, alegres para outros, péssimos para estes, ótimos para aqueles, doentios para uma minoria, saudáveis para a grande maioria... Enfim! Longuíssimos três meses...
Muitas pessoas detidas para averiguações, ficando a maioria, a grande maioria delas permanecendo na cadeia. Provas irrefutáveis extraídas dos arquivos da Aliança Representações, Pecuária e Exportações: registro de pagamentos por serviços prestados, autorizações para uso dos veículos da Empresa, ordens nominais para abastecimento em Postos de Gasolina e Aeroportos, relatórios assinados, confissões espontâneas ou induzidas, imóveis em nome de funcionários ou de pessoas que nem sabiam tê-los em seus nomes, e, o mais caracterizador da vida ilícita da Empresa: uma despesa muito acima do seu superávit declarado, aliado a um patrimônio impossível de se adquirir em tais circunstâncias.
Pessoas até então ilibadas presas por ativa participação nos escusos lucros da Aliança, como o Deputado Federal Gualberto Lima, detido sem nenhuma burocracia ou Fórum privilegiado, acusado de favorecimento à Empresa com isenções de Impostos; o médico Augusto Farnari, pediatra e pecuarista, acusado de pedofilia sedada, com o intuito da exportação de menores para a prostituição européia; o ex-prefeito da cidade Augusto Faro, acompanhante de várias mulheres contratadas por ele para trabalharem como domésticas na Espanha, na realidade em prostíbulos espanhóis, e tantas outras. Foi um limpa geral. E, segundo acordo firmado entre a FAB, a OAB e o Ministério Público, sem regalias de prisões especiais para ninguém, ou concessão de habeas-corpus. Todos aguardariam o julgamento em regime fechado, sem fórum privilegiado ou celas especiais.
Iara sobressaltava-se nos primeiros dias, após sair do Hospital. Acordava, altas horas da noite, aos gritos de socorro, mesmo quando passou a dormir com seus pais no mesmo quarto. Não saia de casa para nada. Era uma reclusa em seu próprio lar. Ficava horas sentada na penumbra da sala de visitas, quieta, distante, às vezes soluçando baixinho, outras completamente inerte.
As visitas e conversas constantes dos amigos que a visitavam, principalmente Mércia e Márcio, fizeram com que lentamente fosse se descontraindo, de vez em quando emitindo um leve sorriso diante das palhaçadas aprontadas pelos meninos, com supostas e dramatizadas brigas.
Com o passar do tempo e por insistência de Mércia fez sua primeira aparição pública após os incidentes: foi a uma sessão no Cine São Francisco. Tiveram de dsviar pela Torres Homens para alcançar a Carlos Gomes. Ela recusou terminantemente passar pela esquina em que havia sido seqüestrada.
Demorou muito para voltar ao normal o que requereu uma grande paciência e uma profunda amizade de Mércia empregadas em conversas, passeios e atividades, principalmente as da Faculdade. Padre Mário Pellatiello garantiu-lhe a freqüência e pediu a assistência dos professores através de Mércia, única companhia espontaneamente aceita por Iara.
Agora, ela já havia retornado ao seu cotidiano. Participava das aulas, passava, ainda receosa, pela esquina onde sofrera a violência, encontrava-se com a turma na pracinha, ia ao cinema, à praça. Apenas um resquício ainda lhe ficou: nunca saía sozinha.
Márcio quase tumultuou sua vida. Preocupadíssimo com a situação vivida por Iara dedicou-se de corpo e alma à recuperação da menina. Diuturnamente estava ao seu lado. As aulas e os estudos passaram para segundo plano, as outras amizades quase esquecidas.
Mas, algo estranho aconteceu. De repente, num átimo, voltou aos estudos e com duplicada dedicação. Todos estranharam esta atitude. Não que esquecera ou se despreocupara de Iara, pois continuava acompanhando-a só que agora tendo algum livro de Física ou Química, debaixo dos braços. Todos estranharam sua atitude.
Só ele sabia o porquê! Somente ele! Ecoava ainda em seus ouvidos o teor do telefonema que recebera. E de quem recebera. Era a oportunidade de sua vida. E ele a agarraria com unhas e dentes.
Mércia! Dedicada, amiga, irmã, conselheira, sempre com aparência alegre, sempre com aparência meiga, sempre com aparência... Aparência... Aparência... Aparência! E ela? E o seu interior? E a sua essência? O que lhe acontecera? O que fizera? Por que a abandonaram: Qual havia sido o seu crime? Nenhum telefonema... Nenhum comunicado... Nada! Simplesmente... Nada! Desaparecera por completo... Três meses... Desaparecera... Mas, por que? Ele descobrira algo sobre ela que nem mesmo ela o sabia? Esta angústia quase a matou. Pensou mesmo em desaparecer para sempre deste mundo.
A dedicação à Iara a auxiliou, e muito, em superar o caos existencial em que se aprofundou. Depois o retorno à Faculdade foi outro amparo existencial. Menos mal que ninguém lhe perguntava ou comentava sobre ele perto dela. Pareciam evitar o assunto quando ela estava por perto. E ela procurou não deixar transparecer a ninguém os problemas que vivia. Com coisa que ninguém os percebera.
E agora estavam prestes a receber homenagens pelos feitos heróicos praticados. Sentia-se vazia, desmotivada e se ali compareceria ainda duvidava. Tudo que lembrasse aqueles sublimes momentos vividos com o militar precisavam ser evitados. Machucavam-na demais.
Iara, eu acho que não participarei das solenidades promovidas pela Prefeitura. - Mércia queria mais era uma orientação da amiga.
Por que Mércia? Se quem mais merece as homenagens é você.
Não sei, Iara! Eu acho que não me sentiria bem na reunião. Se fiz o que fiz não foi para receber alguma coisa. Foi única e exclusivamente por sua causa.
Eu sei disso! E sempre lhe agradeci por isto! Mas, eles querem homenageá-la, agradece-la publicamente. Seria descortesia de sua parte não comparecer. Já pensou? Todo mundo reunido e aparece um representante da homenageada, ou, pior ainda, não aparece ninguém? Credo!
É você tem razão. Seria muita falta de educação o que comprometeria meus pais. O jeito é ir!
Mal que me pergunte... Por que você está tão avessa a esta reunião?
Nada! Eu nunca gostei de atos públicos, daqueles que se elogiam as pessoas cara a cara. Eu fico sem jeito. Calcule se alguém se puser a me elogiar. Eu morro de vergonha. Mas... Paciência!
E ela compareceu. As solenidades aconteceram No imponente prédio da Câmara Municipal de Araçatuba. Mércia sempre sentira uma emoção diferente, indecifrável, gostosa, quando chegava diante daquela escadaria de mármore e principalmente no magnífico jardim existente na lateral do prédio. Mesclavam-se o perfume das plantas e o odor distante do cloro que emanava da piscina do Araçatuba Clube produzindo sensações inebriantes, eternas, nostálgicas, inesquecíveis.
Seus pais a acompanhavam. Na varanda e na escadaria muitos grupos familiares se formavam. A cada chegada, abraços efusivos, cumprimentos de uma sociedade fraterna e reconhecida. O congraçamento era completo. Sorrisos, gargalhadas, tapinhas nas costas, abraços efusivos, referências elogiosas, comentários hiperbólicos, tudo ali acontecia. Os homenageados preferiam separar-se dos familiares e se agruparem.
No auditório ocupavam as primeiras cadeiras. Quando Mércia e Márcio chegaram, encontraram um auditório lotado, com cadeiras reservadas para os familiares que ainda estavam do lado de fora, e ocupando suas respectivas cadeiras: Iara, Mattoso, Renato, Carlos Nascimento, Otelo, Corte Real, e o pai de Jefferson. Estranhou!
Onde estão o Coronel e o Capitão Rogério?
Devem chegar de uma hora para a outra. – respondeu Mattoso, o que sentara na cadeira ao seu lado.
Mércia sentiu um certo desconforto. Aquelas ausências, mais o fato do total desaparecimento de Adalberto, provocaram-lhe terríveis suspeitas. Será que... Não! Não era possível! Deus não lhe imporia tamanho castigo! E a cerimônia iria começar. Ela continuou distante, pouco ouvindo o que se anunciava.
Senhoras e Senhores! Por favos, queiram ocupar seus lugares para o início desta sessão do Poder Legislativo da cidade de Araçatuba.
O alarido das conversas altas logo se transformou no murmurinho de cadeiras arrastadas, cochichos, tosses... Finalmente o silêncio imperou no recinto.
Senhoras e Senhores! Tem esta sessão a finalidade de agraciar pessoas iminentes com um Diploma de Honra ao Mérito e a medalha "Honra Araçatubense". São elas, os participantes da ofensiva contra o famigerado crime organizado em nossa cidade e que culminou com a total eliminação de toda esta organização. Expressa, antes de qualquer coisa, a nossa eterna gratidão a estes moços e moças, militares que honram a corporação das Forças Armadas e, em especial, a dois jovens araçatubenses, paradigmas para a saudável juventude de nossa terra.
Entusiásticos aplausos. Mércia, muito distante dali. Preocupações mil! Refúgio? Sonhos acordados.
E para completar esta mesa, quero ter a honra de receber à porta deste salão o...
Mércia, cutucada por Márcio, voltou à realidade.
... Capitão Rogério Cardoso, coordenador do Grupo de Inteligência da FAB.
Desapontamento total. Expectativa frustrada. Quis sair. Chegou a se levantar. Márcio a segurou e para disfarçar passou para a cadeira que ela ocupava e a fez sentar, com um indisfarçável puxão, na que antes ocupava. Mércia ficou fula de raiva.
VINTE E NOVE
Solenemente Rogério foi introduzido no ambiente acompanhado pelo Presidente da Assembléia Legislativa Municipal que abandonara seu posto, percorrera todo o corredor para acompanhá-lo.
A platéia, em pé, o aplaudia e era correspondida por acenos e sorrisos do militar. Passou pelos homenageados com o rosto virado para o outro lado. Mércia considerou isto como um gesto de falta de educação.
Iara resolveu sanar uma dúvida que lhe ocorrera:
Corte Real! Se o Capitão Rogério está representando o Coronel Adalberto, por que não anunciaram esta representação?
Mércia sobressaltou-se com a pergunta. Sim! Iara tinha razão! Por que?
Não sei, Iara! Devem ter se esquecido de mencionar o fato.
Aliás, – interferiu Mércia – por que o nome dele não está sendo nem mencionado nesta solenidade? Corte Real! Chega de falcatruas! O que realmente aconteceu ao Coronel Adalberto?
Senhoras e Senhores! Dando prosseguimento à sessão, passamos a palavra para o Exmo. Sr. Prof. Sillas José Venturini, mui digno Prefeito Municipal de nossa cidade para que, em nome dos Poderes Legislativo e Executivo, faça os agradecimentos desta cidade aos brilhantes heróis desta difícil campanha militar.
Um discurso afinado, vocabulário rico, politicamente correto; Falava em nome dos dois poderes. Coisa rara de acontecer. Era necessário, senão a solenidade estender-se-ia por muito tempo. Mércia até que se esforçava, mas não conseguia prender sua atenção ao que dizia seu antigo professor de Matemática. A pergunta sem resposta ainda persistia em sua mente. Não era possível que aquela noite no Clube dos Bancários tivesse sido a única. Que aquela sensação inebriante dos carinhos recebidos, aqueles beijos, néctar dos deuses, o aconchego nos ombros do amado, referencial de proteção, houvessem acabado, simplesmente evaporado, como num gesto de mágica.
Passaram a palavra para o Capitão Rogério Cardoso. Despertou ouvindo o militar tecer comentários sobre a brilhante palestra do Monsenhor Victor Ribeiro Mazzei, pároco da cidade, representante do Poder Eclesiástico. E ele falara? O que dissera para ser tão elogiado? Sentiu-se envergonhada por tamanho desrespeito. Corrigiu-se na cadeira. Sentiu-se desconfortável. Nova ajeitadinha. O capitão continuou sua fala:
Meus amigos! Honra-me sobremaneira participar desta seleta mesa, como Coordenador de um excelente Grupo de Inteligência. Tenho que lhes confessar, ao mesmo tempo em que lhes peço milhões de desculpas, pois sou péssimo orador. Às autoridades constituídas, peço perdão por não cita-las nominalmente, mas sabem, que moram no âmago de meu coração, por tudo que por nós fazem nas lidas diárias e mais especificamente pelo apoio a nós emprestados nesta campanha militar. Se aceitei aqui estar é pela importância do evento e mais ainda, por uma proposta que me incumbiram de fazer a determinada pessoa.
Expectativa geral. Sobressalto dos homenageados. Angústia de Mércia.
Esta proposta, inusitada nas lides militares, aceita pela cúpula da FAB com aval do Ministério das Forças Armadas e do Exmo. Presidente da República, Marechal Humberto Castelo Branco, não se caracteriza por nepotismo, apadrinhamento ou qualquer outro tipo de subterfúgio. É tão somente o resultado de, em demonstrações práticas, encontrar-se a pessoa certa para o lugar certo. Daí pretender-se faze-la publicamente, evitando-se assim, as maledicências.
A angústia de Mércia passou para todos. Eram contidos os gritos de "Fale logo". A demora aumentava a ansiedade.
E se me permitirem...
Houve movimentos muito rápidos de consentimento por parte da mesa, dos homenageados e da platéia.
Eu gostaria de convidar a Senhorita Mércia...
O coração da loira disparou e quase saiu boca afora...
... Para, ao lado e sob o comando do Coronel Adalberto...
Sentiu que sofreria uma vertigem.
... Estudar, planejar e, se possível, implantar e comandar o Corpo Feminino da Força Aérea Brasileira...
As pernas bambearam e ela desleixou-se de vez sentada na cadeira. Mãos cobrindo o rosto, lágrimas escorrendo, choro convulsivo.
Caso você aceite...
Todos gritaram, uníssonos: "Ela aceita! Ela aceita, sim!".
Por favor, senhores! Por favor, acalmai-vos! – pedia Rogério.
Mércia recompôs-se com um sorriso meio sonso, demonstrando incredulidade, surpresa. E ele estava vivo1 E ela iria trabalhar com ele!
Caso a senhorita realmente aceite o convite, deverá se dirigir até um certo Simca Chambord estacionado na praça do Araçatuba Clube e dar...
Ela já havia se levantado e, em uma desabalada corrida, saído do salão. Rogério prosseguiu.
Senhores, na realidade o que está se confirmando aqui, e daí a nossa estranha atitude para o convite, se prende ao fato de que o Comandante Adalberto não pode e nem deve aparecer muito em público. Isto em parte pelas atitudes tomadas por seu grupo de militares na consolidação das mudanças legais que se promove neste país. São inúmeros os inimigos destas mudanças. A maioria formada por pessoas intelectuais que ocupavam espaços no Governo e que agora estão perdendo seus cargos inúteis para uma democracia real. Mas hoje, especificamente hoje, sua ausência foi a surpresa que reservamos para Mércia. Há três ou quatro meses que não se falam. O Coronel estava em uma missão secreta no Japão. Estava em um grupo de trabalho da ONU contra a Yakusa japonesa. Daí seu silêncio total. No retorno apresentou o plano para o Corpo Feminino e indicou Mércia para o seu Comando.
Viva! Gritou entusiasticamente Renato, o que incentivou os aplausos da emocionada platéia.
Enquanto isso...
Mércia chegara até a praça. Da esquina do clube ela avistou o Simca vermelho e amarelo. Novamente correu, desta vez em direção ao corro. Estava vazio. Olhou para todos os lados. Deu a volta e buzinou várias vezes. De cima de uma das árvores:
Pois não, Comandante!
Palhaço! Bandido! Marginal! Desce que eu quero lhe matar! Cretino! Irresponsável!
Se você me prometer que me matará com seus deliciosos beijos e abraços...
Desce para você ver!
Adalberto apenas tocou o chão e se viu envolvido pela garota e silenciado com um forte beijo. Afastaram-se. Agora, um terno e suave beijo, desfrutando o néctar espiritual, um do outro, trocando energias que só poderiam advir dos céus. Momento sublime da confirmação do amor.
Por que você me abandonou? – perguntou Mércia, voz manhosa, face colada à dele.
Eu nunca a abandonei, Mércia! Eu me ausentei! Depois você saberá o porquê, como os que estão na Câmara já o devem saber. Eu nuca abandonaria o ser que mais adoro neste mundo. A essência de minha essência.
Beto, eu te amo! Eu te adoro!
Nunca mais do que eu a você! Vamos ao salão? Vamos enfrentar as feras? Quero rever os rapazes. Márcio te contou?
Não! O que ele teria para me contar?
Ele vai ingressar na FAB. O convite está sendo oficialmente formulado agora na diplomação. Eu o convidei.
Então ele se encontrou com você? E o bandido nem para me dizer que você estava vivo?
Não Mércia! O Carlão passou meu recado à ele. Eu estive todo este tempo a serviço no Japão. Aprenda e confie. De vez em quando eu somo. Se a notícia for ruim logo, logo você saberá. Se o silêncio persistir é porque estou trabalhando. Você viverá estas nuances muito em breve.
Ensine-me logo. Não quero mais passar pelo que passei nestes longos dias de espera.
Enfrentemos as feras?
Sempre juntos!
TRINTA
Renato recebia seu diploma e sua medalha, entregues pela autoridade sacerdotal. Os aplausos eram constantes. O militar agradeceu a homenagem em uma breve mensagem falada ao microfone. Desceu as escadas e dirigiu-se para seu lugar. O auditório ficou silencioso a espera do novo ou da nova homenageada. De repente! Um gritinho de surpresa e a explosão de entusiásticas palmas. Todos olharam para trás, e viram um casal adentrando no salão. A claridade traçava uma auréola impedindo a visualização dos rostos, o que, indubitavelmente, tornava-se desnecessário.
Adalberto passava o braço esquerdo pelas costas de Mércia segurando-lhe o ombro esquerdo e esta, seu braço direito pela cintura dele. Caminharam assim por todo o corredor. Ao chegarem perto dos homenageados separaram-se e Adalberto passou a cumprimentar, um por um, abraçando-os efusivamente. Pegou Mércia pela mão e com ela subiu as escadas que os conduziam até a mesa. Solicitou uma cadeira para Mércia e dirigiu-se para o microfone.
Autoridades aqui presentes, Prof. Silvio, Monsenhor Victor, Juvêncio, Sr. Alfredo Yarid, Presidente desta casa, Professora Eleosina, Secretária da Educação deste Município, Dr. Orloff Mendes, Meritíssimo Juiz de Direito e demais personalidades cujos nomes no momento me fogem, mas não as lembranças de suas atividades em prol desta coletividade; Mércia, futura Comandante das Tropas Femininas da FAB, minha namorada, minha amada e futura mãe de meus filhos. Sr. Antonio e D. Maria, pais de Mércia, eu os estou apenas prevenindo de minhas más intenções; Iara, vítima de famigerados gangsteres, sofrendo horrores por única e exclusiva culpa nossa, raptada que foi para nos chamar a atenção quanto à periculosidade dos marginais e a quem publicamente peço mil perdões pela nossa ineficácia como seus protetores; companheiros de farda que brilhantemente defenderam a causa da justiça e da honra, nosso propósito mais puro e sagrado; lembranças a Jefferson, pelo heroísmo concreto, sem falsas posturas ou medíocres pensamentos sobre o ato heróico, mas realmente o herói principal desta nossa empreitada; Márcio, cunhado velho de guerra, companheiro que muito nos ajudou no cumprimento de nosso dever; Senhoras, Senhores, conterrâneos, amigos!
E foi com este tom informal, como em uma conversa com amigos, que ele descreveu a operação de resgate de Iara, os resultados obtidos com a aniquilação da empresa Aliança, seu repentino desaparecimento, a sua atuação no Japão, em que, graças às provas obtidas junto à Aliança sobre o tráfico de escravas brancas, conseguiram desbaratar uma grande parte, senão toda, da Yakusa japonesa, receptadora das meninas brasileiras. Falou ainda sobre o projeto das Tropas Femininas, o porquê da escolha de Mércia para Comanda-las. Finalizou pedindo credibilidade para as Forças Armadas, participação mais ativa da população junto à polícia local, e críticas construtivas sobre o trabalho da mesma.
Foi aplaudidíssimo pelo auditório. Recebeu cumprimentos da mesa diretora dos trabalhos. Sentou-se ao lado de Mércia que imediatamente recostou-se em seu ombro, até cerimônia terminar.
Após os cumprimentos de despedida, desceu acompanhado por Mércia e enfrentou o cerco que foi total. Todos queriam abraçá-los, cumprimentá-los. Os próprios colegas homenageados providenciaram um cordão de isolamento que os conduziu para fora do recinto da reunião.
Nas escadarias mais cumprimentos. De repente:
Muito bem mocinho! Acho que alguém aqui nos deve algumas explicações. Afinal, abusaram da minha confiança, desrespeitaram o meu lar tomando decisões que passaram sobre minha autoridade e isto eu nunca irei aceitar nunca na vida.
Pai! Podem até achar que está falando sério! – replicou Mércia
Ué, e eu estou!
Se eu não o conhecesse...
Maria! Estou desmoralizado publicamente pela minha própria filha. Estou aqui defendendo sua honra e,,,
Filhos! – falou a mulher – Que Deus lhes cubra com suas bênçãos. Adalberto, eu estou muito feliz. Muito obrigada pelo bem que você está fazendo para nossa filha.
D. Maria, eu só quero que nos ajude, principalmente a mim para que eu possa fazer Mércia cada vez mais e mais feliz.
Como já vi que estou sozinho nesta parada, de-me cá um abraço! E cuide muito bem desta menina, senão...
Obrigado, Sr. Antonio! – o abraço foi mesmo muito afetuoso consolidando o aval dos pais ao namoro da filha com o militar.
Por que estou com a impressão de que fui alijada do seio de minha família e fique chutada para escanteio?
Milha filha! – e a mãe abraçou-a
Bobona e ciumenta – foi o comentário de Adalberto.
Neste ínterim, Márcio saíra do prédio da Câmara, levando Iara a tiracolo. Foram até a Praça Getúlio Vargas. Sentaram-se no banco, perto de um dos arcos de plantas e com costas para a casa do Dr. Célio Cintra e D. Baby, pessoas muito familiares ao povo de Araçatuba. Márcio correu até a Sorveteria do Sr. Nenê, pegou duas Cocas e retornou para o lado de Iara.
Mocinha! Preciso muito falar com a senhorita.
Sou toda ouvidos!
Iara, eu não sei ser romântico. Eu não sei expressar meus sentimentos. Eu me sinto um idiota, um imbecil. Mas eu não estou mais me agüentando. Sinto-me muito mal quando estou perto de você e não posso lhe dar pelo menos um aperto de mão, toca-la, falar alguma poesia, dizer...
Márcio! Eu também te amo muito!
Você sabe, eu preciso de alguém que... O que foi mesmo que você disse?
Eu o amo muito! Eu també, gostaria de ser abraçada por você. E por favor, não fique com esta cara de bobo. Estou com muito frio.
Meu Deus!
Estava agachado na frente dela, levantou-se, sentou-se ao seu lado e a abraçou fortemente e a beijou ternamente.
Obrigado Senhor! Como eu precisava disto, meu amor!
Iara! Amo-a! Simplesmente te adoro.
Márcio, e quanto ao que me aconteceu?
E o que lhe aconteceu? Aconteceu-lhe alguma coisa, Iara? E por que você nunca me contou?
Anjo! Eu te venero! Só não sei ainda se o chamarei de namorado ou cunhado. Afinal... A maninha...
Bobona!
As risadas dos dois foram o atestado da felicidade que ambos desfrutavam.
Outro local, outro ambiente, outra áurea.
Meu bom pai, como eu estava com saudades deste lugar, deste momento, de reviver aquele dia. – dizia Mércia recostada no ombro de Adalberto.
E eu, muito mais. E olhe que eu só estava vendo japonês de olho rasgado e lembrando de seus olhos verdes.
Mas ficou de "teretete" com meus pais um tempão.
Precisava fazer média com os velhos.
Olha só o respeito! Velhos? A vovozinha vai passando bem, não vai? E faça-me um favor!
O que? Que favor?
Fale menos e aja mais! Aperte-me e beije-me!
Vou fazer um esforço concentrado para tal!
Bandido!
Amor! Eu te amo! Saiba sempre disso!
E trocaram um longo beijo. Tocava "You are my destiny". E eles estavam sozinhos no Clube dos Bancários.
PERSONAGENS
T U R M A
Mércia Maria Tagliaferro
Márcio Antonio Tagliaferro
Tereza Cristina Vilasboas
Décio Motta
João Carlos Mendes
Jonas Antonio Duarte
Iara D'Ávila Melo Cabral
Walter Duarte Souza Neto
Nilton Ortoloni
M I L I T A R E S
Tenente Corte Real: eletrônica;
Tenente Renato Marzagão: camuflagem e disfarces;
Capitão Carlos Nascimento: infiltração e aproximação;
Tenente José Honório do Amaral, ou Tenente Otelo: armamento;
Capitão Rogério Cardoso: Coordenador Extra-Campo.
Tenente João Dias: Diretor do Aeroporto de Araçatuba
Sargento César Pereira: atirador de elite
Tenente João de Souza: Comte. da Patrulha que captura o carro 35.
Capitão Homem de Melo: Comte do Grupo de Assalto ao Ed. Araçatuba.
Capitão Nelson Trivilin: Comte do Grupo de Assalto ao Timboré.
Tenente Mário Gonzaga de Amorim: instrutor bélico de Mércia e Márcio.
Tenente Jorge Lima Mattoso: participante do ataque à Casa da Mata
Tenente Jefferson Cordeiro Silva: morto em combate na Casa da Mata.
Tenente Claudionor Vieira: encarregado da Imprensa
AUTORIDADES E MEMBROS DA COMUNIDADE
Sillas José Venturini – Prefeito Municipal,
Dr. Alfredo Yarid Filho: Pers, da Câmara Municipal.
Dr. Orloff Mendes: MM Juiz de Direito de Araçatuba.
Monsenhor Victor Ribeiro Mazzei: Pároco da cidade
Juventino Daia Gomes – Sec. Municipal da Administração
Prof. Eleosina Roriz: Secretária Municipal de Educação
Padre Mário Pellatiello: Reitor da Univ. Salesiana de Araçatuba.
Amélia Cintra: funcionária inocente da Aliança – 21 anos
D. Guiomar Pacce: costureira – proprietária da casa de Tomáz
Sr Fernando Fonseca: pai de Tomáz.
Seu Angelin Torloni: encarregado das piscinas do Araçatuba Clube
Sr. Antonio Tagliaferro – pai de Mércia
D. Maria Tagliaferro: mãe de Mércia
Elói de Oliveira: tio de Adalberto
Seu Agenor Modesto: maitre do Clube dos Bancários
Daniel de Carvalho: Professor de Educação Física de Mércia e Márcio.
Sr. Francisco D'Ávila Cabral: pai de Iara
D. Conceição Melo Cabral: mãe de Iara.
Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco: Presidente da República
PROSTITUTAS A SERVIÇO DA EMPRESA
Carolina Ferreira Mattoso - Caroline – prostituta morta por traição
Belinha – Izabel – Prostituta assassinada com Caroline
Tianinha – Sebastiana – Prostituta subserviente.
Crucificada inominada: morta acusada de traição.
Nadiara Peixoto: uma das meninas exportadas pela organização.
BANDIDOS E SERVIÇAIS
Dr. Wladimir Pimenta Ribeiro – Chefe da quadrilha
Amadeu da Silva Neto – Assessor direto
Stanislauw Pontes: representante em Andradina
Tomáz Fonseca da Silva – assecla infiltrado na Universidade
Sérgio Zuppi: secretário do D. A., cúmplice de Tomáz.
Demóstenes, o Maisena – assecla executor – assassino sádico.
Frederico Sandes: assecla de Maisena, morador no Timboré.
Giovanni Alves: assecla de Maisena, morador do Timboré.
Pedro de Almeida: assecla de Maisena, morador do Timboré.
Eduardo Felisberto: responsável pela mansão do Rio de Janeiro
Marly Antunes Felisberto: esposa de Eduardo.
Guarda 01 – vigia da Alfândega – assassinado por incompetência.
Guarda 02 – vigia da Alfândega – assassinado por incompetência.
Levy Silva: membro da quadrilha – o faxineiro dos crimes
Luiz Antonio: pivete do Bairro Santana.
Krykor Karselhan: fotógrafo oficial da empresa.
Egberto Figueira: marginal preso – Carro 35
Célio Cardoso dos Santos: marginal preso – Carro 35
Paulo Rodrigo Mendes: marginal preso – Carro 35
Bebel – lésbica sádica.
Margarida – assecla infiltrada no grupo de universitários.
Deputado Federal Gualberto Lima: isenção ilícita de impostos
Dr. Augusto Farnari: pediatra, pecuarista, acusado de pedofilia sedada,
Augusto Faro: ex-prefeito, traficante de mulheres para a Espanha
JAPONESES
Ideo Takahashi: representante brasileiro dos marginais nipônicos
Fuzio Ikeda: membro da comitiva em visita ao Brasil
Nenhuma história que eu relato efetivamente aconteceu. Mas poderia ter acontecido, pois, no fundo, são verdadeiras, pois não invento nada sobre o nada absoluto. De um modo geral, o escritor inventa sobre o que vê, sente e ouve.
( Deonsio da Silva )
FEVEREIRO/2003